Fevereiro de 2011 - Nº 20   ISSN 1982-7733  
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Escrever vidas


Por Thiago Sogayar Bechara

Registrar é antes de tudo, recriar. A vida escoa pelo tempo e não há resíduo palpável dela que possa ser sequer aceito como certo. A matéria de nossas lembranças refaz os passos de uma história com os olhos do presente.  E neste gesto está o recriar das sensações, dos meandros e motivações já tão distanciadas que, o que se lembra, constitui precisamente o sentimento que hoje temos do que lembramos.

Há também os fatos aparentemente incontestáveis e perante estes, haverá sempre quem questione sua carga de subjetividade. É certo que quanto ao nascimento de um jovem lavrador, pouco há que ser relativizado, quando a informação em cheque for única e simplesmente sua data de nascimento. E não menos verdadeiro será, se dissermos que imprecisas e ilimitadas conclusões sobre esta mesma pessoa podem ser inferidas a partir dessa data, segundo visões as mais variadas – e, inclusive, contraditórias.

Há ainda sobre este lavrador, particularidades que só quem com ele conviveu, saberá narrar de modo mais preciso. E estas vozes vão constituindo aos poucos uma malha cuja cor predominante se começa a esperar com alguma regularidade. Mas deu-se que certa vez a pessoa de quem se falou foi outra e não o lavrador criado imaginariamente pelas sombras de sentimentos que ele deixou, restando mais no corpo e nos sentidos, que propriamente na memória dessas pessoas. Deu-se que o produto de uma nova narração foi outro lavrador.

Mas era o mesmo. E são todos os mesmos! E ao mesmo tempo, tantos quantos forem os indivíduos que o conheceram.

Luigi Pirandello, grande dramaturgo e romancista italiano, em seu livro Um, nem e cem mil, consagra o debate que ao longo de sua vida empreendeu literariamente acerca da identidade própria e da auto-imagem que cada um de nós constrói, em dissonância com o modo que as pessoas que nos conhecem têm de saber quem somos. Somos sempre um lavrador, à medida fisiológica de nosso corpo uno, e de nossa mente, que se quer una. Somos sempre cem mil lavradores, ou infinitos, ou tantos quantos forem precisos – tantas quantas forem as pessoas que nos enxergam. Quantos somos então, senão nenhum, certos de que se nem nós mesmos seremos capazes de delimitar com precisão os contornos de nossa existência, que  dirá o biógrafo, historiador, jornalista que pretensamente se dedica a saber a totalidade de fatos de nossa passagem pela terra?

A mesma ideia se pode aplicar a fatos históricos, movimentos artísticos, políticos, ou de qualquer ordem que se queira. São todos compostos por humanos, e humanos vivem essa mesma vida que escoa pelo tempo, impossível de ser represada por uma milésima fração de segundo, ao menos – o que, por sua vez, não invalida a busca incessante pela documentação, mais próxima possível da realidade.

O pressuposto de que a objetividade por si só inexiste, sobretudo quando falamos em documentar trajetórias pessoais e coletivas que constituem um relato relevante a um povo, ou a história de toda uma nação, não deve ser considerada frustrante, pois nisto reside sua riqueza maior. Dogmas e certezas abrem muito pouco espaço – senão nenhum – para indagações e questionamentos que componham uma troca saudável de visões que se complementam, se antagonizam, ou entram em total harmonia. E este painel seduz, atrai, nasce do particular para se eternizar no coletivo, e incorpora à consciência do país, dados capazes de dar-lhe forma, identidade, reflexão, concordância, estranhamento!

Escrever histórias de vida pressupõe uma postura por parte do biógrafo, verificada desde o impreciso momento em que o gênero nasceu ainda na Antiguidade. Uma postura de compromisso ético, amor ao conhecimento, busca pela diversidade de fontes consultadas e, sobretudo, de envolvimento lúcido com seu personagem – se é que isso é possível!

Assuntos como este, e como a importância de se produzir documentação de memória cultural para futuras pesquisas e, mesmo para a posteridade, tendo em vista o nosso tempo, serão tratados nesta edição do Jornal Jovem, preocupada em abrir novas possibilidades de leitura, criação e reflexão sobre este tema, cuja retomada desde a década de 1980, vem trazendo o gênero biográfico para o epicentro da discussão e, sobretudo, para as melhores prateleiras das livrarias do país.

Ótima leitura a todos. Com carinho e grato pelo espaço aberto pelo Jornal Jovem.

 

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