Sonia
Makaron
Diretora
do Jornal Jovem
São Paulo - capital
Futebol.
Um jogo civilizado, sem sombra de dúvida. Regras
claras, juiz que zela por elas, bandeirinhas, público,
comentaristas. Todos participando do maior espetáculo
desse mundo globalizado. Um espetáculo planetário
de paixão e competição.
Esta ilustração
faz parte do acervo da família Ladeira e foi desenhada
por
Lucy de Cerqueira
Leite Ladeira na década de 70.
A
espera de um êxtase de alegria, que quando se concretiza
nos faz delirar e nos leva a viver momentos de plena confraternização,
alegria compartilhada e contagiante. Somos todos felizes.
Quem dera outras situações sociais nos trouxessem
momentos como este que o futebol de uma copa do mundo pode
proporcionar. É um momento em que podemos acreditar
que viver em uma sociedade feliz é possível.
Nossas contradições, nossas mesquinharias
e toda pequenez humana se esvai, como se não existissem.
Amamos, perdoamos, somos solidários, gentis, queremos
transmitir e partilhar só alegrias. Por algumas horas
vivemos o mito da sociedade ideal. Nossas paixões
do bem trasbordam. Conseguimos finalmente vivê-las
com toda a plenitude que desejamos. Confraternização,
irmandade, alegria compartilhada.
Isso só prova o quanto a sociedade precisa disso.
Não é à toa que o futebol de uma copa
é o maior espetáculo do planeta. Precisamos
disso. Claro que temos orgulho de sermos brasileiros. Esse
sentimento perpassa as agruras políticas das quais
temos sido vítimas sem termos meios efetivos de intervir.
Quem dera outros acontecimentos sociais nos proporcionassem
esse êxtase de alegria tão importante para
uma vida mais saudável e feliz nesse mundo alucinante
em que vivemos.
Claro
que não podemos esquecer de um pequeno detalhe: isso
só acontece com a vitória do Brasil.
Vamos
agora encarar a derrota. Ela também pode se manifestar
em forma de paixão. Isso quer dizer que também
existe um ‘êxtase’ de derrota. A derrota
do Brasil contra a França despertou em muitos um
forte sentimento de revolta que se manifestou como um verdadeiro
espetáculo de ‘ódio social’ e
inconformismo. Muitos de vocês devem ter assistido
essas tristes cenas, frutos também da paixão.
Um extravasamento de ódio pela derrota, que se manifesta
como ódio pelo ser humano, nesse caso personificado,
por exemplo, no técnico Parreira.
Duro é quando esse ódio quer também
ser contagiante, como a alegria o é. Quer arrematar
sócios, quer insuflar nossa alma confusa e entristecida
com a perda. Muitos embarcam nessa, daí as manifestações
de ódio entre as torcidas. Pena que o ódio
também contagia muita gente.
Sabemos
que devemos saber perder. Talvez a grandeza da alma humana
esteja aí: saber perder sem se perder e sem pôr
tudo a perder. Porque viver em sociedade é um desafio.
A razão e a ponderação devem vencer.
A paixão não deve andar solta, despregada
da razão. Perdemos, e a vida continua. Os erros devem
ser remediados. E quem sabe devamos encontrar outras formas
de sermos mais felizes em sociedade.
Quem sabe um dia a vida pública dos cidadãos
encontre uma forma de participação social
em que a convivência nos traga, não êxtases,
mas simplesmente uma alegria cotidiana por vivermos em sociedade
com dignidade social e política. Pois precisamos
e ansiamos pela felicidade em sociedade também fora
da copa do mundo, no convívio do dia-a-dia ou quando
por exemplo, assistimos nossos representantes políticos
desempenhando o papel - que lhes foi conferido pela sociedade
- de forma digna e respeitosa para com os cidadãos
que o elegeram e os que não o elegeram, afinal todos
devem ser respeitados.
Que eles deixem de considerar sua vitória nas eleições
como mérito pessoal e de seus marketerios de plantão,
mas entendam que no voto quem ganha não são
seus partidários mas, uma esperança nacional
de buscarmos alcançar um convívio social mais
digno e mais humanizado, em que a paixão dá
as mãos para a razão e não se manifeste
de forma irracional como na agressão e na violência
social. |