Segurança Pública
Melina Risso
Diretora do Instituto Sou da Paz
Uma pesquisa encomendada pelo Jornal Nacional e realizada pelo IBOPE mostrou que a violência continua sendo uma das principais preocupações dos brasileiros. Ela aparece como a terceira em uma lista de 10 assuntos prioritários. Mesmo com a redução dos homicídios ocorrida nos últimos anos no país, continuam morrendo 35 mil brasileiros a cada ano, em sua grande maioria vítimas de armas de fogo. E os jovens homens negros, moradores das periferias dos centros urbanos são as principais vítimas.
O cenário ainda é crítico, mas já é possível encontrar boas notícias. Diversas iniciativas, programas e projetos têm sido implantados em todo país com excelentes resultados. Em uma década, o estado de São Paulo, por exemplo, reduziu praticamente 60% dos seus homicídios, passando de 5º para 25º lugar entre as unidades da federação com maior número de mortes. Para que isso acontecesse, o problema entrou definitivamente na agenda pública. E entrou com uma perspectiva diferente daquela encontrada nas décadas de 80 e 90, quando o debate girava em torno apenas de medidas repressivas – aumento de efetivo policial, vagas prisionais e aumento de penas – como solução para os problemas de violência.
A violência hoje é entendida como um fenômeno complexo. Para a reversão do quadro é necessário um conjunto de ações que atuem sobre o problema e nesse sentido, um bom diagnóstico da situação sobre a qual se pretende atuar é fundamental. Muitas vezes estamos imersos em uma percepção baseada no senso comum, que não reflete a realidade. Quando isso acontece, as políticas desenhadas para combater a violência se tornam ineficazes.
Outra medida fundamental para que a violência reduzisse, não apenas em São Paulo, mas em tantos outros bons exemplos no país, foi o entendimento de que as ações de prevenção são um eixo estruturante da política pública de segurança. É preciso atuar antes que o problema aconteça, caso contrário teremos apenas medidas que “enxugam gelo”. Nesse sentido, diversos setores passaram também a ter responsabilidade no enfrentamento do problema. Com isso, surge um novo desafio: a articulação das diversas ações, programas, organizações, secretarias, ministérios, prefeituras, para atuarem sobre a prevenção da violência com eficiência.
Um exemplo concreto de política federal que teve impacto decisivo na segurança pública do país, contribuindo diretamente com a redução de mais de 12% dos homicídios foi a aprovação do Estatuto do Desarmamento em dezembro de 2003. Todo o processo da construção e aprovação do Estatuto do Desarmamento foi marcado pela perspectiva da prevenção da violência – reduzindo um fator de risco importante no cenário das tragédias cotidianas, a arma de fogo – e da articulação entre sociedade civil e todas as esferas de governo, como veremos a seguir.
A lei que salva vidas
Desde que o crescimento da violência no Brasil começou a chamar a atenção dos estudiosos, a influência das armas de fogo nesse fenômeno ficou evidente. Em 1996, uma pesquisa da ONU revelou que o Brasil era o país onde mais se matava com arma de fogo em todo o mundo, superando nações em guerra. Todos os anos, mais de 40 mil brasileiros perdiam a vida por causa de uma arma de fogo; na maioria dos casos, em conflitos banais, entre pessoas que se conheciam e não tinham antecedentes criminais. O elevado número de armas em circulação – somado ao pouco controle sobre quem vendia, quem comprava e como elas eram utilizadas e a uma cultura que valoriza a arma como instrumento de poder e defesa – contribuía para essa tragédia cotidiana.
Foi com base nestas informações que o Instituto Sou da Paz passou a defender o controle de armas como uma das medidas para conter a onda de violência que assolou o país na década de 90. Além de conscientizar a população, era preciso trabalhar para que o governo modificasse as regras para compra, venda e utilização das armas. Para isso, era central a atuação da sociedade civil e o envolvimento do poder público. A partir de 2002, esse processo se intensificou. Dezenas de organizações Brasil afora, passaram a realizar uma série de atos públicos com o objetivo de pressionar o governo e abrir destaque para o debate na opinião pública.
Em 2003, o que viria a se tornar o Estatuto do Desarmamento começou a ser desenhado, acompanhado de muito perto pela sociedade civil. Era urgente criar uma lei que controlasse com rigor a indústria, as lojas, as fábricas; o processo de compra, venda, estoque de armas; as regras para as armas em poder das polícias, exército, civis, segurança privada; a organização, atualização, unificação de todas as informações sobre armas e munições em circulação no país. A pressão da sociedade civil foi decisiva no processo, seja com o debate aberto junto a opinião pública, seja no acompanhamento dos trabalhos desenvolvidos no Congresso Nacional.
Aprovada a lei no final de 2003, a sociedade comemorou a vitória, mas era apenas o primeiro passo. A lei precisava ser de fato implantada para que gerasse os resultados esperados. A campanha de entrega voluntária de armas, prevista no Estatuto do Desarmamento, foi um exemplo de atuação coordenada. No início da campanha, somente os postos da Polícia Federal poderiam receber armas, o que limitava o alcance da iniciativa. O envolvimento de igrejas, associações de bairro, entidades comunitárias e guardas municipais, atuando como postos de entrega de armas e estimulando as pessoas da comunidade a se engajarem, foi decisivo para que mais de 500 mil armas de fogo fossem tiradas de circulação.
Após 13 anos consecutivos de aumento da violência no país, em 2004, houve não apenas uma redução no número de homicídios como também uma reversão na curva de crescimento observada até então.
Uma andorinha sozinha não faz verão
Diversos estudos comprovaram que o Estatuto do Desarmamento é uma lei eficaz que implementada em sua totalidade traz resultados efetivos na redução da violência no país. Porém, como demonstrado anteriormente, a violência é um fenômeno complexo que exige um conjunto de ações coordenadas para seu enfrentamento. O excelente resultado do estado de São Paulo aponta possíveis caminhos a serem seguidos.
No final da década de 90 e começo dos anos 2000 houve um grande investimento nas polícias do estado como a compatibilização das áreas de atuação das polícias civil e militar; reformulação do currículo de formação das polícias; investimento em tecnologia com a criação do Infocrim; revitalização de delegacias especializadas como o DHPP com altos índices de esclarecimento de crimes; criação de bases de policiamento comunitário; e investimento em equipamentos (individual e coletivo).
A partir da década de 2000, diversos municípios do estado passaram a atuar na segurança pública criando guardas municipais e secretarias de segurança urbana. Mais do que isso passaram a desenvolver ações e programas focados nas regiões e públicos mais afetados pela violência. A atuação transversal dos municípios foi decisiva para a queda dos índices de violência na região metropolitana.
Outro elemento a ser destacado no resultado de São Paulo é o envolvimento da sociedade civil na segurança pública. A atuação tem sido ampla e diversificada – desde a formulação e execução de ações de prevenção da violência em locais muito afetados pelo problema, à mobilização de atores para atuação conjunta, como o pacto pela vida feito no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, onde bares aderiram voluntariamente à campanha e deixaram de vender bebida alcoólica a partir de determinado horário.
O problema ainda é grande e com intensidades diversas no país. A diferença é que agora há experiências concretas com excelentes resultados que mostram a direção a ser seguida.
Envie esta notícia para um amigo
|