Janeiro de 2009 - Nº 13   ISSN 1982-7733  
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O Jornal Jovem entrevistou o jornalista esportivo Odir Cunha. Com 30 anos de jornalismo, já ganhou dois prêmios Esso, três da APCA, trabalhou em todas as mídias, escreveu dez livros e dá cursos e palestras em escolas, universidades e empresas, nos quais ensina como escrever bem. Veja as dicas que ele dá.

 

JJ -  Na sua opinião, por que tantos jovens dizem sentir dificuldade para escrever?

Ora, porque têm dificuldade de se expressar de uma maneira precisa e mais culta, que é a forma escrita, bem mais exigente do que a expressão verbal. Têm essa dificuldade por não saber como captar as informações necessárias para um bom texto, ordenar as informações de forma clara, precisa e elegante, e pela falta um vocabulário mais rico. Por que têm essa dificuldade? Porque lêem e escrevem pouco. E a forma mais simples de se aprender a escrever é ler muito – de preferência autores de bom texto – e escrever muito. 

 

JJ -  Como elaborar uma experiência de vida para transformá-la em uma expressão literária, como uma crônica, por exemplo?

Gênero literário criado no jornalismo brasileiro, a deliciosa crônica, que hoje se confunde com o conto, parece simples, mas exige grande experiência. Além da técnica correta, é preciso charme, humor e um ritmo quase de poesia para se fazer uma boa crônica. Mas permite uma liberalidade que talvez combine com o espírito criativo e irreverente dos jovens.

Bem, de qualquer forma, para se transformar uma experiência de vida em qualquer manifestação literária – crônica, conto, reportagem ou livro –, basta ter talento para contá-la com as características que se exige de um bom texto. É mais fácil fazer isso quando essa experiência é relevante, ou pode ser vinculada a fatos relevantes. Por exemplo: Você é mal atendido pelo seu plano se assistência médica e usa esse caso para ilustrar o caos da saúde pública no Brasil.

Porém, o talento é capaz de milagres. Para nossos melhores cronistas, como Rubem Braga, não era necessário um bom assunto para se construir uma boa crônica. “Ele escrevia melhor quando não tinha nada sobre o que escrever”, testemunham seus amigos. Porém, chegar perto do nível de um Rubem Braga seria o olimpo para o cronista. Até lá a escalada é duríssima.

 

JJ -  Que conselhos você daria aos jovens que gostariam de escrever, mas têm receio de fazê-lo por medo de não conseguir elaborar um texto de qualidade?

Os primeiros textos dificilmente terão qualidade, por isso o receio é compreensível. Mas não há forma de escrever bem, como já falei, sem ler e escrever muito. Então, é preciso escrever. Se o texto será publicável ou não, é outra história. Há muitos escritores que não publicam boa parte de seus escritos, assim como há pintores que gastam boa parte do tempo em estudos. O jovem tem de ter a coragem de escrever e a humildade de perceber que seus primeiros textos raramente merecerão ser publicados.

JJ -  Quais os pontos mais importantes para que um texto seja considerado bom?

O primeiro ponto é a clareza. As pessoas precisam compreender o que a gente escreve. Por isso, não adianta copiar um texto, ou a fala de um entrevistado, sem compreender o que significam. Se não entendemos o que estamos escrevendo, o leitor muito menos. A clareza começa pela escolha das palavras, de preferência as mais simples; passa pela estrutura da frase, sempre direta, e termina com a ordenação lógica das idéias.

Por exemplo: se um jornalista tivesse de escrever o primeiro verso do Hino Nacional Brasileiro, ele o faria de outra forma, mais coloquial e direta. A letra de Joaquim Osório Duque Estrada diz: “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heróico o brado retumbante”. Ficaria: “Nas margens tranqüilas do Rio Ipiranga ouviu-se o grito de um povo heróico”.

Ainda no quesito clareza, é importante usar parágrafos e frases curtas, optar por termos precisos, concretos, e preferir a voz ativa. Por exemplo: Ao invés de: “A bola ao jogador foi dada pelo técnico”. Escreva: “O técnico deu a bola ao jogador”.

Depois da clareza, vem a elegância. Para isso, é aconselhável não repetir palavras (adjetivos, verbos e, principalmente, adjetivos, que devem ser evitados). Use frases concisas e harmoniosas. Faça com que a história seja contada naturalmente, sem mudanças bruscas entre um parágrafo e outro. Recorra a intertítulos entre períodos de quatro a sete parágrafos, para que o texto e o leitor respirem, para destacar alguns trechos e facilitar as mudanças de tema.

Bem, mas um texto pode ser claro, elegante e fraco. Pois não basta a forma. A relevância vem do conteúdo e para isso é imprescindível informações precisas. Esqueça o “achômetro”. Tenha a humildade de pesquisar bem antes de escrever. Em uma entrevista, quando não compreender alguma coisa, pergunte. Se continuar não compreendendo, pergunte de novo. Um repórter não pode ter vergonha de ser considerado chato. Você está a serviço do leitor e ele espera pela informação precisa. 

 

JJ -   Como você aprendeu a escrever bem?

 

Bem, eu ainda estou aprendendo. Escrever bem é uma meta para toda a vida. Como eu escrevo desde os 13 anos e tenho 55, diria que por escrever há 42 anos, estou na metade do caminho. Rsss. Estou brincando. A verdade é que precisei ler e escrever muito para começar a pegar o jeito da coisa. Lembro que com 12 anos comecei a encher o meu pai para me comprar um livro sem figuras. Não sei porquê, mas achava que ao ler o meu primeiro livro só de letras, sem imagens, me sentiria mais adulto. De tanto eu insistir, ele me deu duas porcarias: “Cinderela”, um romance água-com-açúcar, e “Arsène Lupin na pela da polícia”. Não consegui terminar nenhum dos dois. Nesse ínterim abriram um sebo no meu bairro. Era apenas um barracão de madeira, mas vendia e trocava livros e gibis. Como eu tinha muitos gibis (revistas de histórias em quadrinhos), trocava dez gibis por um livro e assim fui fazendo minha biblioteca. Aos 17 anos já tinha lido uns 400 livros.

Quando você lê muito, e bons autores, os textos vêm à sua mente com facilidade. Não conhecia nenhuma regra de sintaxe, sempre fui um aluno sofrível de Português, mas minhas redações eram as melhores da turma. Você adquire, instintivamente, a noção da frase correta. Esse estágio é o melhor. Depois, com a experiência de vida, seu texto vai ficando mais maduro, mais equilibrado, e você aprende técnicas para prender a atenção do leitor, do lead (abertura do texto) até o último parágrafo.

 

JJ -  Quais são as principais características que um bom escritor deve ter?

                   

Curiosidade, humildade, capacidade de trabalho, personalidade e bom gosto. Curiosidade para pesquisar sobre tudo que lhe interessa; humildade para saber que, por mais que saiba, sabe muito pouco; capacidade de trabalho para dedicar o tempo que for necessário a uma tarefa; personalidade para transmitir a sua visão de mundo, e bom gosto para tornar tudo isso agradável para quem lê.

 

 

JJ -  Desde quando você começou a se interessar pela leitura e pela escrita? O que despertou seu interesse?

Logo que me alfabetizei, comecei a ler gibis e percebi que um mundo se abria para mim. Eu viajava pela leitura, imaginava outras terras, outros mundos, outros povos, era fascinante. E ao ler, você cria imagens no pensamento e essa é a melhor forma de desenvolver a única coisa que nos diferencia dos outros animais: o cérebro. A leitura me deu outra visão das coisas e das pessoas, provavelmente me deu também um vocabulário melhor. Só sei que não parei mais de ler. É um dos meus maiores prazeres ainda hoje. 

 

JJ -   Quais são seus escritores favoritos?

Ernest Hemingway, Albert Camus, Gabriel Garcia Marques, Jose Saramago, Monteiro Lobato, Edgar Rice Burroughs (da série Tarzan), Saint Exupéry, Machado de Assis, Rubem Braga, Manuel Bandeira, Gay Talese (jornalista e escritor norte-americano), José Luis Borges, Jack London, Herman Melville, Humberto Eco, Knut Hansun, Carlos Drumond de Andrade, Fernando Pessoa, Euclides da Cunha (Os Sertões), Graciliano Ramos (Vidas Secas), Guimarães Rosa, Arthur Miller (A Morte do Caixeiro Viajante, peça de teatro), Nelson Rodrigues, Mário de Andrade...

 

JJ -  Qual o estilo literário mais difícil de ser elaborado? Por quê?

Não dá para generalizar. O que é difícil para um escritor, pode ser fácil para outro. E mesmo dentro de cada estilo há técnicas que um pode dominar melhor do que o outro. Por exemplo: já conheci jornalistas ótimos para começar matérias, mas muito ruins para conclui-las. Há quem seja muito bom para diálogos, mas péssimo para descrições e por aí vai...

Porém, para não deixar sua pergunta sem resposta, eu diria que a técnica mais difícil é a mista – que envolve descrições, diálogos, análises, narrativas, e, para complicar, alterna períodos de tempo sem obedecer a ordem cronológica dos fatos. Tudo isso com elegância e alto grau de atratividade. Quando se chega a um nível desses, pode-se dizer que você é um bom escritor.

 

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