Junho de 2011 - Nº 21   ISSN 1982-7733  
jovem151.php
Como participar
Fale conosco/ newsletter
 Arquivo JJ
Todas as edições do JJ
Biologia
Biomedicina
Veterinária
Enfermagem
Engenharia de Alimentos
Eng. de Biossistemas
Engenharia de Materiais
Engenharia Química
Física
Dicas para o Vestibular
Textos enviados
Seção Livre
Palavra aberta
Ponto de vista
Desenho
Poesia
Crônica
Exceção
Presentation
Here you are the reporter
Open section
Contact us
Acompanhe
Escola
Como participar

Escola Participante

 Colégio Êxito

Entrevista: Thiago Bechara fala sobre seu livro "Imara Reis: Van Filosofia"

Entrevista com o poeta, jornalista e biógrafo Thiago Sogayar Bechara sobre seu livro-perfil “Imara Reis: Van Filosofia”.

Por Giovanna Crispim

Giovanna - Você escreveu um livro-perfil utilizando ferramentas e conhecimentos adquiridos com sua experiência no gênero biográfico. Que padrões deste gênero foram utilizados na produção do livro sobre Imara Reis?

 

ThiagoO gênero biográfico é muito antigo. Sempre existiu, com nomes e propostas que foram se modificando, mas desde a Antiguidade o homem registra vidas. Primeiro com os grandes nomes da política, da ciência... posteriormente, numa fase mais aberta a personalidades mais próximas do cidadão comum. Dito isso, fica fácil compreender que as ferramentas do gênero vêm igualmente se transformando, exigindo novos critérios e permitindo maiores liberdades criativas. Hoje em dia, um breve raio-X do que se espera de uma biografia revela não apenas a reconstituição minuciosa de uma trajetória profissional, ligada à importância do biografado para seu país ou para o mundo em termos gerais, mas, em igual medida, o registro de dados pertinentes às suas experiências pessoais, úteis à compreensão da formação daquela personalidade... daquele quadro psíquico, daquela rede de informações afetivas que propiciam o surgimento do indivíduo enquanto ser humano e não mais como mito intocável. Em termos textuais, a sisudez cada vez mais dá lugar a uma informalidade, regida pela elegância criativa de autores como Humberto Werneck e Ruy Castro, sempre mencionados como referências no gênero contemporâneo. E no rigor de uma pesquisa honesta e bem apurada. No caso deste perfil que eu lanço agora, apesar de ter o depoimento de Imara como centro da narrativa e de ele ser escrito em primeira pessoa seguindo o padrão da Coleção Aplausp, todas essas preocupações foram nortes em meu trabalho. E o desejo de ouvir mais vozes me levou a incluir no livro depoimentos exclusivos de grandes personalidades amigas de Imara, como Ignácio de Loyola Brandão, Elba Ramalho, Cristóvão Tezza, Beatriz Segall, Maria Adelaide Amaral, dentre muitos outros...

 

Giovanna - Como surgiu a idéia do livro?

 

ThiagoEu e Imara já éramos amigos e eu propus ao Rubens Ewald Filho, coordenador da Coleção Aplauso da Imprensa Oficial, um trabalho de cunha didático, no sentido de que as experiências dessa musa das telonas brasileiras pudessem servir como referências, boas ou ruins, a jovens atores. Daí nossa abordam dos processos de composição de personagem e a inclusão até de um pequeno manual ao final do livro. O Rubens aceitou de pronto e em três meses parimos este livro, que brincamos dizendo ser um milagre editorial. Devido ao pouco prazo, claro que alguns pequenos deslizes de revisão acabaram passando. Mas seu conteúdo me comove e diverte profundamente. Acho que conseguimos registrar os principais traços desta mulher culta, histriônica, inquieta e engraçadíssima – o que muito nos importava.

 

Giovanna - Como os dados particulares da biografia da atriz podem assumir um potencial de formação cultural dos leitores?

 

ThiagoQuando utilizamos o termo didático para definir a “vocação” de nosso livro, pensamos justamente no risco de que soássemos pretensiosos demais. A idéia não é que Imara seja tomada como baliza, mas sim como dona uma trajetória rica de erros e acertos e, neste sentido, exemplar. Sua vida profissional se confunde com a história cultural das artes cênicas no Brasil. E seus pensamentos ampliam o modo de compreensão da vida. Ela é questionadora, curiosa compulsiva, e leva ao extremo seu desejo aquariano de saber! Se um pouco de todo esse espírito contaminar nosso leitor, alguma contribuição em sua formação, teremos conseguido. Digo nós pelo carinho com que o trabalho foi concebido, em total parceria. Ainda mais pela formação em Letras de Imara, o que em muito me foi válido. Ela encontra soluções, dá pitaco em tudo e vara a noite gravando sozinha para no dia seguinte me entregar as fitas, além dos registros em digital que fiz durante incontáveis horas em sua sala. Nos telefonávamos às 4 horas da manhã como se fosse de tarde, e assim se estabeleceu uma cumplicidade e uma confiança imensas entre um cafezinho e outro. Além de minha gratidão por ela ter aberto suas alegrias e tristezas de modo tão contundente e corajoso.

 

Giovanna - Trabalhos como esse têm o mérito de documentar uma história importante para o país. Em que a vida de Imara contribui concretamente?

 

ThiagoVersatilidade, coragem, espírito criativo, trabalho coletivo ou individual, catarse e distanciamento, Stanisláviski e Brecht, Chico Buarque e Elba Ramalho, conhecimento técnico, improviso, frescor, profundidade, paixão e respeito pela arte e por conhecer o mundo. Seria infinita a lista, mas basta pensarmos em suas participações em trabalhos lendários do cinema, do teatro e da televisão, como as peças “Calabar”, “Vejo um vulto na janela me acudam que eu sou donzela”, os filmes “O grande mentecapto” e “Minha vida em suas mãos”, ou as novelas “Mandala”, “Ossos do barão” e “Chiquititas”.

 

Giovanna - O que costuma ser exigido de um biografo na etapa de coleta de materiais, em termos de tipos de fontes utilizadas? E como foi o processo com este livro específico.

 

ThiagoProcurei me amparar em todos os tipos de fonte de pesquisa possíveis, apesar de este ser apenas um perfil e não propriamente uma biografia. Livros, entrevistas de campo, jornais, revistas e um envolvimento pessoal com o universo da personagem. Penso que o fato de o trabalho não pretender dar o giro de 360 graus em torno da personagem – pelo próprio padrão editorial – não significa que não possamos buscar olhares divergentes e complementares de fatos, modos de pensar e agir. Busquei, como no outro perfil que escrevi, da cantora Cida Moreira, manter a linha da coleção sem, ao mesmo tempo, deixar de inovar e deixar minha marca pessoal, que o mergulho de cabeça no universo dos artistas perfilados. Creio que essa apropriação por parte do autor fornece mais elementos inclusive para compreender com mais precisão reações, gestos, frases e atitudes que sejam igualmente reveladoras, assim como palavras tomadas em seu sentido estrito. E me enriquece profundamente não apenas como profissional, mas como pessoa.

 

Giovanna - Como estabelecer o contorno do individual, isolando-o e, ao mesmo tempo, inserindo-o no coletivo? Como a biografia lida com essa aparente oposição?

 

ThiagoÉ de fato uma aparente oposição, já que o individual depende sempre do contexto em que está inserido. O que você está chamando de isolamento, a meu ver só se efetiva com a condição de que cenário seja bem determinado. Só assim se chegará ao menos perto de um perfil honesto, isto é: o contorno individual se dá melhor quando inserido no coletivo. E isso vale do mesmo modo para a biografia e para o perfil. Tanto mais enriquecido torna-se o resultado de qualquer trabalho escrito nesta linguagem e com esta preocupação.

 

Giovanna - Textualmente, como foi o processo de seleção e edição do material coletado?

 

ThiagoCaótico, angustiado, mas vigoroso e emocionado, como se lidássemos com fogo, com algo vivo e verdadeiramente penetrante. O volume de informações foi gigantesco. E tudo muito curioso e relevante no processo de compreensão das artes cênicas brasileiras e da personalidade da Imara. Tudo exposto com muita inteligência, humildade e assertividade, ao mesmo tempo. Passagens engraçadas, tristes, úteis ou simplesmente caras à atriz por razões variadas. Cortar foi difícil e o tamanho do livro não me deixa mentir. São 636 páginas que seriam muito mais, caso não tivéssemos optado e tomado decisões duras. No entanto, poderia ser menor também, e aqui faço minha autocrítica, não olhando para isto como um defeito do trabalho, mas como um exercício de distanciamento que teria sido igualmente interessante, caso tivéssemos podido fazer. O envolvimento foi total. E isso, como tudo, teve seu lado ruim e seu lado ótimo! Acredito que o ótimo sobressaiu, felizmente.

 

Giovanna - Você também é poeta e jornalista. Como tudo isso influi em trabalhos como este?

 

ThiagoDiretamente. Minha paixão desde cedo foi com a palavra, enquanto imagem visual, enquanto som, enquanto sentido produzido. De várias formas conciliei essa obsessão. Aprendendo a cantar, fazendo teatro, escrevendo poemas e contos, e futuramente me formando jornalista. O exercício da poesia é indispensável na minha vida, quando busco compreender um processo de criação cênica do ponto de vista da beleza poética de seus meandros. Ao mesmo tempo, a palavra interpretada é em última análise poesia pura. E escrever sobre estes recursos com uma linguagem literária, em busca da expressão ideal ou da definição precisa me conforta e alegra tanto quanto se fosse eu, o autor daqueles personagens narrados. Em jornalismo, mergulho sob a ótica do jornalismo literário, da perspectiva da pesquisa, da entrevista, da checagem de dados. Sem perder de vista o leitor e seu interesse por aquele conteúdo. Espero ter conseguido.

 

Giovanna - Buscar sua própria identidade projetada em traços da personalidade das personagens que você escolhe para “retratar”. Faz sentido isso?

 

ThiagoTodo. E não só a mim, como a muitos biógrafos e autores de perfis ao longo de toda a história do gênero. Há nisso um processo puramente psicanalítico de projeção, como você bem disse, e seguindo esta linha de compreensão das coisas, há alguns autores que falam melhor por mim, e que eu adoro relembrar porque me traduzem. Mario Quinta disse em um poema que “qualquer ideia que te agrade, por isso mesmo é tua”. Luigi Pirandello fez de seu último trabalho, o apanhado geral de suas questões existenciais, intitulando-o “Um, nenhum e cem mil”. Fernando Pessoa proclamou que “só me encontro quando de mim fujo”. E tudo isso fecha uma “gestalt” em minha cabeça, com relação à minha própria personagem, criada para o mundo, para a sociedade e para mim mesmo. Lógico que me espelho em meus personagens. Mas sei que o que me atrai neles é sempre aquilo que trago adormecido em mim, e que eles conseguem de algum modo tornar concreto ou me revelar de forma mais explícita. É assim como Imara, com Cida Moreira, Luiz Carlos Paraná e, apesar de não ser personagem registrada por mim, Maria Bethânia, que é persona de minha vida onírica.

 

Giovanna - Muito obrigada. Apenas para finalizar. Novos projetos? Quais?

 

ThiagoNovos, velhos, alguns em andamento, outros em estágio de maturação dentro da cabeça. Parar a gente nunca para. O que acho bom. Mas só o tempo diz o que deve ou não ser levado adiante. Tenho tido sorte – ou uma intuição privilegiada -  de me deparar com temas e pessoas maravilhosos nesses poucos anos de trajetória profissional. Depois do livro sobre a Imara, sairá também pela Coleção Aplauso o perfil “Cida Moreira: A Dona das Canções”, iniciado por mim em 2008. Neste meio tempo escrevi trabalhos sobre arte circense e a biografia do cantor e compositor Luiz Carlos Paraná. O livro está pronto, mas resolvi utilizar suas informações como base para um estudo acadêmico que será minha tese de pós-graduação. Só depois de entregue a monografia, tratarei de correr atrás da publicação. O restante ainda são sonhos e pesquisas iniciadas. Obrigado pelo carinho e até breve!

 

Março de 2011

Giovanna Crispim, 16 anos, estudante do terceiro ano do Ensino Médio, no Colégio Beka

 

  

Envie esta notícia para um amigo

 

 

 

 
CONFIRA
VISITE
 
 Copyright © 2005-2011 Jornal Jovem - Aqui você é o repórter. Todos os direitos reservados.