"Gualharufas"
Não se sabe quando começou, nem se ainda existe essa brincadeira entre gente da classe teatral.
Numa peça, entre veteranos, quando aparece algum novato que pela primeira vez vai subir ao palco, o pessoal ‘escolado’, faz com o pobre diabo, que já está pra lá de nervoso com a estréia, a seguinte brincadeira:
Alguém, com a maior seriedade pergunta-lhe:
- Bom, já que você vai estrear (hoje ou amanhã, sempre encima da hora, que é pra arrasar o cara de ansiedade) – imagino que já providenciou as “galharufas”.
O pobre diabo, que jamais ouviu falar em tal coisa, faz cara de interrogação, e já tremendo de medo, pergunta engasgado:
- GA-LHA-RU-FAS???!!!
- É, insiste o carrasco, sem elas você não poderá estrear.
- Ai meu Deus! é o grito agônico do pobre ingênuo. - Mas ninguém me disse nada!- Como não, não é possível!
- Ô fulano, ô beltrano, vocês não avisaram o nosso amigo aqui, que ele não pode estrear sem “galharufas"?
E é aquele auê no elenco inteiro, uns juraram que avisaram, outros que mandaram algum aviso.
Estabeleceu-se o horror! Todo mundo grita e estrebucha, enquanto o infelicíssimo estreante, já arrasado com as preocupações com a sua atuação na estréia, arranca os cabelos com mais este contratempo de última hora.
Aí aparecem as sugestões:
- Acho que o ator fulano de tal, poderia emprestar as suas... ou beltrano... ou sicrano.
Arranjam telefones, endereços, fazem um alvoroço e o infeliz que deveria estar cuidando de ensaiar melhor o seu papel, sai pelas ruas, pela cidade, pelos orelhões, telefonando, suando, implorando pra esse e praquele, que lhe arranjem um par de “galharufas”. Como todo o mundo teatral já conhece a estória, cada um que ele procura, aumenta-lhe o terror.
- Eu tinha, mas emprestei. Meu Deus, que tragédia! Você não pode subir ao palco sem galharufas! – Olhe, fulano de tal, pode ser que ele empreste as dele..
O desgraçado sai outra vez em busca de um e de outro e no seu atarantamento, nem se lembra de perguntar o que são afinal “galharufas”.
Sucumbido, deprimido, horrorizado, em pânico com a própria negligência, não raciocina mais, só se afoba, já esqueceu seu papel e suas “falas”, está envergonhado, pensa em, desistir de fazer teatro, dizer que a vó morreu, que teve uma febre tifóide, qualquer coisa para escapar à vergonha e a gozação.
À noite, chega ao teatro arrasado, não se lembra mais do que foi fazer lá e é recebido pelo cruel, malvado elenco às gargalhadas... sente-se um idiota, sai de um horror para cair em outro, mas também aliviado, como não? E depois, olha, rola para o palco como um saco de batatas, aliviado e desesperado e dá conta de seu papel de quarqué jeito, pois afinal Show must go on. Show cannot stop.
Quem conta a estória é Jurandy Whildhagen Figueira que já foi professora de teatro na USP. São Paulo - capital.
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