Outubro de 2007 - Nº 07    ISSN 1982-7733
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Tristeza

Marcelino Lima
42 anos, jornalista
São Paulo - capital

A maior parte do tempo, as duas irmãs, mais a viúva. Sozinhas, velando o morto. De vez em quando, um vizinho. Um bêbado, lá da rua, madrugada comendo o sono, querendo saber: quem esticou as canelas, era bacana, ou pé rapado? Um cão sarnento. Moscas nos crisântemos. Parentes um pé lá, outro cá. Os distantes não chegariam a tempo, mesmo, então, para que pegar estrada? Sobrinhos, se nem os dois filhos?

A mãe, de volta do cemitério, molhada pela garoa fina que enregelava até a alma. Pega o moço a bulir gavetas. Quer saber cadê o "bobo" do falecido, não acredito, mainhizinha, cê enterrou com ele se daria boa grana no antiquário?! Mas ô velha, diz ai, vai: o pai era mesmo duro ou deixou algum em seu nome, hein? hein? uma conta secreta, abre o jogo aí, vai. Para não perder a viagem carregou umas três camisas, dois cintos, gravatas, um risca de giz – que, vá lá, apesar da falta dum botão na frente, já meio caidão, elegante, de bom corte –, pares de sapatos maiores dois números — mãe daria tudo aos pobres, desperdício, meu, ora, se não servissem, aos amigos menos remediados. O carro na garagem: tchau, rádio gravador, e que pai mais besta de antiquado, nem um cd player, oh, miserê, cara!

Ao telefone informa à "menina". Missa de sétimo dia? Xi, mamacita, bem na hora, e no dia da festa de despedida de solteiro do melhor amigo de academia do Xandão? Nem pensar, dona Tereza, maior balada na Lagoa Preta, perco, não... E tem mais, prestenção, please, mãmã: o papi mor-r-eu, mor-ti-nho da sil-va, já era, tá? Vê se desamua, não fica ai curtindo viuvez! Oh, um toque esperto: a senhora ainda é broto, cai na vida,  tem tiozinho enxuto na área dando sopa, uns até bem remediados, me entende, sempre tem um cara legal, sei lá, até mesmo um boy, quem é que vai ligar, vai nessa, mãe, bola pra frente, um beijo, clique, pam, pam, pam, pam...

Dias passando. Iguais. Piores momentos a solidão da noite, sempre longa. Tevê amanhece ligada, luz do banheiro torna acesa. Únicos consolos: foto na cabeceira, visita de algumas amigas, gente piedosa de igrejas. E Apache, a gata, homenagem aos índios que seo Ribeiro vira num bang-bang – ele sempre torcera contra John Wayne e pelos peles-vermelhas, aquela mania de tomar partido pelos mais fracos, traço de caráter, humildade que de porra nenhuma serviu, até rendeu de mote, quando, já desiludido da vida pública, puxaram o tapete dele na convenção, contas feitas, votos a favor suficientes, tudo na ponta do lápis, e o desafeto é quem sai candidato pelo partido, tanto altruísmo nem mesmo levou gente ao próprio mortório. É, e a bichana, miarosa. Fazendo fora do tanquinho de areia, melancolindo-se, cada vez mais, olhar tristonho afundado na poltroninha da varanda onde não mais encontra aconchego de colo e carinho das longas mãos cofiando o pelame. Há três dias nada de leite, sequer polenta reforçada por caldo de frango – que antes devorava, sobretudo feita pelo dono –, desperta a fome...

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