Maio de 2010 - Nº 17   ISSN 1982-7733  
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IO - Instituto Oceanográfico da USP

Adaptações dos organismos de sangue frio ao ambiente marinho antártico


Vicente Gomes, Phan Van Ngan, Maria José de A. C. R. Passos, Arthur José da Silva Rocha & Thaís da Cruz Alvez dos Santos 

Laboratório de Ecofisiologia

Departamento de Oceanografia Biológica

Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo

 

 

O clima e as formas de vida 

 

Nos textos anteriores comentamos sobre os numerosos fatores ambientais - entre os quais as temperaturas baixas e estáveis da água, as pequenas flutuações na salinidade, o reduzido aporte de sedimentos terrestres e a grande sazonalidade de luz e de recursos alimentares - que condicionam a estrutura e a distribuição da fauna atual.

A baixa taxa metabólica, o gigantismo, a longevidade prolongada, as baixas taxas de crescimento, a baixa fecundidade, a reprodução sazonal e o atraso na maturidade dos organismos sempre foram considerados como estratégias ecológicas pelas quais os organismos respondem ao frio extremo e às condições ambientais bem marcadas pela sazonalidade.

                                                     Fotos: Elisabete Braga

Uma das perguntas mais intrigantes a respeito do metabolismo de animais marinhos ectotérmicos* em baixas temperaturas é de como eles conseguem manter suas atividades normais, como locomoção, reprodução, captura de presas, etc., em temperaturas nas quais organismos de regiões mais quentes entrariam em estado letárgico. Além disso, a marcante sazonalidade da produção primária marinha das altas latitudes deve ser contrabalançada por alterações na utilização da energia para os diversos processos vitais dos organismos, já que esses organismos devem enfrentar longos períodos durante os quais a produtividade é baixa.

*Ectotérmicos são os animais de sangue frio, ou seja, todos os invertebrados, os peixes, anfíbios e répteis. Os animais de sangue frio - ectotérmicos - possuem a temperatura do corpo igual a do ambiente.

 

Nesse sentido, animais ectotérmicos antárticos constituem objeto de estudo para compreender os processos adaptativos em relação às variações dos fatores ambientais, sobretudo à temperatura.  

 

Alguns pesquisadores, tais como os do grupo liderado pelo Prof. A. Clarke, do Bristish Antarctic Survey, consideram que, com exceção do caso especial da existência de proteínas especiais que evitam o congelamento dos líquidos corpóreos, as demais adaptações dos animais antárticos à baixa temperatura englobam distintos mecanismos da fisiologia animal, ajustados para que eles se tornem aptos a viver nas condições daquele ambiente, e não apenas simples aceleração do metabolismo.

 

Uma taxa de metabolismo baixo pode ser, inclusive, considerada como uma medida de economia de energia, selecionada ao longo da evolução, para garantir a sobrevivência dos animais durante os períodos de escassez de alimento. Parece bastante aceito que organismos antárticos que desenvolveram mecanismos para economia de energia, tal como metabolismo baixo, relacionados com a estabilização de baixas temperaturas, podem ser muito susceptíveis a alterações dos fatores ambientais.

 

 

                                                    Pesquisadores do IOUSP

Quando comparados com espécies de outras regiões, as espécies que vivem nas regiões da Antártica possuem pouca capacidade fisiológica para enfrentar mudanças prolongadas de temperatura, e morrem quando a temperatura absoluta sobe somente 5°C a 10°C acima das médias anuais.

 

Lembramos que nos animais de sangue frio, conforme a temperatura do ambiente aumenta, o metabolismo do indivíduo, ou seja, a velocidade de suas reações bioquímicas aumenta também. Com isso, a necessidade de oxigênio e de alimento para gerar energia também é maior. Dessa forma, para viver em temperaturas mais altas, os indivíduos precisam de mais alimento e de muito mais oxigênio para produzir energia. Esse é um dos principais motivos que os organismos marinhos antárticos possuem pequena tolerância à elevação de temperatura. É evidente que os limites de sobrevivência dependem da espécie considerada. Geralmente, invertebrados que exploram as zonas entre-marés (zona delimitada entre os limites da maré alta e baixa) toleram maiores variações do que os que vivem em regiões mais profundas.

 

Entretanto, verificou-se que diversas espécies de invertebrados antárticos de áreas rasas suportam temperaturas mais elevadas, porém apenas por curto período de tempo, de poucos dias. Após períodos mais longos (cerca de um mês ou mais) os indivíduos podem morrer. A causa da morte parece não ser a temperatura somente, mas, provavelmente, está relacionada ao aumento de metabolismo que eleva a necessidade de energia para uma quantidade acima da capacidade que esses animais possuem de distribuir o oxigênio para os tecidos, incluindo a difusão de oxigênio entre as membranas, a capacidade de produzir ATP e a capacidade de viver em condições de pouco oxigênio (veja Pörtner, 2006).

 

Na água fria, o oxigênio tende a ocorrer em maior abundância do que na água mais quente, devido ao aumento da solubilidade do gás. Assim, além de tudo, se houver aquecimento da água do mar, os organismos antárticos teriam que tirar mais oxigênio de uma água mais pobre nesse gás para suprir o metabolismo acelerado pela elevação da temperatura. A diminuição da capacidade em obter e distribuir a energia para o organismo como um todo em ambientes mais quentes, devido a mudanças globais, seria o primeiro processo que causaria a extinção ou, quando possível, a migração de organismos de águas frias (veja Pörtner & Knust, 2007).

 

Possíveis efeitos das mudanças climáticas

 Diversos autores (veja Pörtner, 2002) afirmam que alterações ambientais relativamente de pouca magnitude podem causar profundos efeitos no ecossistema marinho antártico.  A cobertura de gelo reflete cerca de 80% da luz solar, o que ajuda a manter a temperatura local fria. Com o derretimento do gelo marinho, essa quantidade de luz não é refletida e esquenta a água do mar que por sua vez, torna o processo de derretimento ainda mais rápido. Os efeitos são mais evidentes no Ártico, que deverá sofrer os impactos de mudanças globais mais cedo que o Antártico. A completa extinção do gelo ártico no verão era esperada para 2100, mas segundo especialistas, esse fenômeno pode ocorrer ainda entre 2030 e 2050. Os efeitos sobre os seres vivos não são, evidentemente, apenas em relação às elevações de temperatura e alterações de salinidade, mas muito mais amplos. Diversos organismos polares vivem no interior do gelo marinho ou na interface gelo-água. Assim, esses organismos dependem do gelo em seu ciclo de vida, e  ele é local de produção primária pelas algas do gelo, no inverno.                                                                     

O krill, por exemplo, tem suas populações muito diminuídas em anos em que o gelo marinho de inverno é menos extenso e menos duradouro. Um dos motivos para essa queda populacional é que os adultos precisam se alimentar das algas do gelo no inverno para que o bom desenvolvimento das gônadas ocorra em tempo de os jovens se alimentarem das algas que crescem na superfície da água na primavera seguinte. Esses jovens também encontrarão abrigo e alimento no gelo marinho do inverno do próximo ano (Leia A luz indispensável para os organismos do fitoplâncton. Os blocos de gelo e as microalgas.)

 

Não se deve descartar, também, o impacto que os icebergs e blocos de gelo provocam nas comunidades bentônicas de áreas rasas, o que é um fenômeno natural nas regiões polares. O aumento do tamanho e da freqüência dos icebergs, e blocos de gelo, devido ao recuo das geleiras, pode acarretar sérios distúrbios nas comunidades costeiras bentônicas que são dificilmente previsíveis (Leia Os organismos do bentos antártico) .

 

Indivíduos de espécies ectotérmicas da Antártica geralmente possuem crescimento lento, vida longa, maturidade tardia, o que reduz a capacidade de produzir novas mutações e, portanto, a capacidade de se adaptar a mudanças rápidas. O Dr. Peck comenta que, além disso, as regiões costeiras antárticas, por serem circum-continentais, ou seja, em forma de anel em torno do continente, não abrangem uma faixa de latitude muito grande e, portanto, possuem características ambientais muito semelhantes. Os organismos que vivem nessas áreas costeiras não teriam para onde migrar, a procura de um local mais frio, em caso de aquecimento ambiental.

 

Há mais de dez anos, Nicol & Allison (1997) alertaram que os próximos passos da pesquisa da Antártica e dos seus sistemas revelariam que o que aprendemos até então era, na verdade, o prenúncio de dramáticas mudanças no sistema climático global. Em princípio, não deveria ser necessário que nenhum trabalho científico demonstrasse a necessidade de proteger os ambientes naturais para que os projetos fossem apoiados. No entanto, todos os dados ecofisiológicos obtidos até o momento indicam que o ecossistema marinho antártico pode sofrer profundas modificações mesmo diante de pequenas mudanças ambientais.

Referências e sugestões para leitura

    Clarke, A. 1988. Seasonality in the Antarctic marine environment. Comp. Biochem. Physiol., 90(B): 63-76.

    Clarke, A. 1990. Temperature and evolution: Southern Ocean cooling and the Antarctic marine fauna. In: Kerry, K. R. & Hempel, G. (eds). Antarctic Ecosystems-Ecological change and conservation. Berlin, Springer-Verlag. p. 9-22.

    Clarke, A. 1991. What is cold adaptation and how should we measure it? Am. Zool., 31: 81-92.

    Makarieva, A. M.; Gorshkov, V. G.; Li, B.-L. & Chown, S. L. 2006. Size- and temperature-independence of minimum life-supporting metabolic rates. Functional Ecol., 20: 83-96.

    Nicol, S. & Allison, I. 1997. The frozen skin of the Southern Ocean. Am. Scient., 85: 426-439.

    Peck, L. S.; Convey, P. & Barnes, D. K. A. 2006. Environmental constraints on life histories in Antarctic ecosystems: tempos, timings and predictability. Biol. Rev., 81: 75-109.

    Pörtner, H. O. 2002. Climate variations and the physiological basis of temperature dependent biogeography: systemic to molecular hierarchy of thermal tolerance in animals. Comp. Biochem. Physiol., 132: 739-761.

    Scholander, P. F.; Flagg, W.; Walters, V. & Irving, L. 1953. Climatic adaptation in arctic and tropical poikilotherms. Physiol. Zool., 26: 67-69.

  

Leia a sequencia dos textos abaixo relacionados

        

Adaptações dos organismos de sangue frio ao ambiente marinho antártico

 

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A ANTÁRTIDA E O CLIMA

Adaptações dos organismos de sangue frio ao ambiente marinho antártico

Drs. Vicente Gomes, Phan Van Ngan, Maria José de A. C. Passos, Arthur José da Silva Rocha, Thais da Cruz Alves dos Santos

Laboratório de Ecofisiologia do IOUSP

 
 
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