Agosto de 2010 - Nº 18   ISSN 1982-7733  
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Antônio e Maria

Yzadora Monteiro

18 anos, estudante de Comunicação Social, PUC-RIO

Rio de Janeiro - capital

 

 

Antônio

 

Último dia de setenta e três anos.

Sento na poltrona desbotada que se encontrava no canto da sala, como sempre fiz durante um bom tempo. As memórias vêm com toda força, me assustei, sempre ouvi dizer que isto aconteceria. Nunca achei que fosse verdade.

A saudade que aperta meu coração faz lembrar-me daquele dia na praça, nos anos 50, quando conheci Antônio – alto, moreno, com aquela roupa branca encantadora.
Sentado do outro lado da praça, roubava meus olhares. Não conseguia parar de olhar para tal jovem que, quando me vi, estava estendido ao meu lado, segurando um pacote de pipocas. Tentei disfarçar com um sorriso, acho que ele nem chegou a perceber como me encontrava sem graça.

Comi pipoca após pipoca silenciosamente. Não sabia o que falar, e ele me parecia estar esperando algumas palavras minha. Levantei e resolvi, enfim, falar meu nome “Maria”. Ele não disse nada, parecia não entender o porquê de estar me apresentando. Aguardei ele dizer algo e sorri novamente, estava sem graça mais uma vez, então saí dali o mais rápido que pude.

Passei o dia remoendo a vergonha, já havia visto aquele rapaz outras vezes na praça. Resolvi voltar à noite, tinha a esperança que o veria novamente, até pensei em algumas frases para falar na hora que o encontrasse. Assim que cheguei à praça, deixei que meus olhos se perdessem ao procurar, quando, em um susto, ele aparece na minha frente e ouço “Antônio”. Ele me olhava nos olhos, e, como de costume, fiquei sem graça. Sorri, mas não ia deixar que aquele encontro passasse sem falas novamente. Respirei fundo, abraçando todo ar que meu pulmão pudesse resgatar, e o conduzi pela mão até o banco mais próximo. Naquele momento, as frases ensaiadas sumiram, tive que improvisar e driblar a falta de jeito; consegui durante toda a noite.

E assim, por meses, o encontrava na praça, dias e noites. Certa manhã, assim que acordei, sentia-me com um frio na barriga diferente, me encaminhei até a praça e Antônio me surpreendeu com um pedido. Não me contive: meus olhos se encheram de lágrimas involuntariamente. Era o que mais queria. Sorri, mas não porque estava sem graça; sorri com a felicidade que borbulhava em todo meu corpo.

Compramos uma casa azul, em frente à praça, e tivemos dois filhos: Julia, a caçula, que está grávida novamente, e Bernardo, que junto com sua bela esposa havia me dado um grande presente uma dúzia de anos atrás, dois netos lindos, Luis e Gabriel. Antônio tinha câncer no pulmão, devido ao charuto. Sentado na mesma poltrona que me encontro, quando silêncio habitou a sala, trocamos olhares e sorri com delicadeza. Foi o começo de anos vazios. Acabei perdendo-me em tristezas, a poltrona era minha companheira mais constante, as crianças já haviam crescido, e meus netos só me visitam nos finais de semana.

Abro os olhos, e, olhando para o lado, percebo a fresta na janela que deixava o sol entrar lentamente. Primeira vez que não me sinto sozinha em anos; parecia que Antonio estava comigo novamente. Uma confortante sensação, tudo está lentamente desaparecendo. Sorri.

 

 

Maria

 

Último dia de sessenta e sete anos.

 

 Os anos passados resolveram correr como filme na minha mente, normal, sempre disseram que isso aconteceria. Estranho é não se lembrar minha infância, a primeira imagem que veio na cabeça é da praça, nos anos 50, quando conheci Maria – menina de vestido rosado, e uma fita branca no cabelo cacheado.

Estava sem muito dinheiro, o suficiente para pagar uma pipoca. Foi o melhor que me veio à cabeça, então me encaminhei em direção àquela linda jovem, e ofereci os milhos já estourados e brancos; ela me respondeu com um sorriso e pegou delicadamente o pacote que se encontrava em minhas mãos.

Senti como se estivesse vivendo tudo novamente, a sensação de frio na barriga, as mãos suadas. Não fazia ideia que aquela jovem seria minha futura companheira até o último dia, quem sabe além dele.

O sol brilhava como uma típica manhã de verão, apesar do sol, corria uma brisa bem gostosa. A jovem se levantou, estendeu a mão e disse “Maria”. Não respondi nada. O nome se repetia na minha mente como um disco arranhado, ela sorriu e saiu lentamente com o desconfortável silêncio que provoquei. Tarde demais percebi que ela esperava que dissesse meu nome também. Maria já havia sumido no meio de tanto brilho naquela praça que me viu crescer.

Não consegui esquecer aquele rosto delicado durante todo dia; de noite, como de costume, fui encontrar uns amigos na mesma praça. Olhei para o pipoqueiro, para o banco, para as árvores, procurei em cada rosto feminino os traços de Maria. Não encontrei. Até que João, meu amigo desde os tempos do pião no chão batido do quintal de casa, me cutuca com força e me chama atenção para uma menina em particular: Ela.

Fui me aproximando devagar, parei, e olhando nos olhos dela disse “Antonio”. E, mais uma vez, aquela jovem sorriu. Pegou minha mão e me levou para o banco, onde conversamos o resto da noite.

Dia após dia encontrava Maria na praça, até que me senti pronto para fazer o pedido. Já tinha trabalho, e certo dinheiro guardado para construir uma família. Tremia dos dedos dos pés até a ponta do fio mais alto de cabelo que tinha na cabeça. Maria sorriu, adorava ver aquele sorriso, e fez que sim com os olhos se afogando em lágrimas.

Anos se passaram, dividíamos a casa azul, de frente a histórica praça, com duas lindas crianças, que hoje em dia não são mais crianças, Bernardo, o mais velho, e Julia. Esposa de Bernardo está grávida, e Júlia acabara de marcar o casamento.

O sorriso de Maria, que permanecia o mesmo durante todos esses anos, habitava todas as memórias que tinha. Abro os olhos e olho para o lado, com certa dificuldade – já estava fraco devido à doença que me atingira na boa idade: câncer de pulmão. Mari está ao meu lado e sorri. Tudo escureceu.

 


 

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