Nascido no Pará, mas cedo transplantado para o Rio de Janeiro, Jayme Ovalle (1894-1955) foi um artista que infundiu doses maciças de graça e poesia na vida de seus amigos - a linha de frente do modernismo brasileiro. Não deixou, porém, uma obra à altura da influência que exerceu sobre “pelo menos três gerações”, no dizer de Vinicius de Moraes, que de Ovalle herdou a mania de usar diminutivos. Não por acaso, Manuel Bandeira escreveu um “Poema só para Jayme Ovalle” (um dos mais bonitos de sua obra).
Jayme Ovalle já chamava a atenção desde a sua figura: causava espécie nos botequins do Rio usando um antiquado e engordurado monóculo, que lhe dava um ar de “embaixador aposentado”, e tinha fama de passar graxa de sapato no cabelo. As coisas que dizia - sensacionais tiradas espirituosas e achados poéticos que volta e meia iam parar em versos alheios - lhe renderam apelidos como “o místico” e “o santo da ladeira”.
Sobre esse homem “santo” - que era vizinho e confidente das putas da Lapa - criou-se ainda todo um folclore que os amigos alimentavam com episódios fantasiosos.
Sem mistificar ou folclorizar ainda mais o “mito Ovalle”, Werneck traz à tona uma figura menos conhecida - “o homem triste” que Manuel Bandeira cantou. Contar uma boa história sem transformá-la num espetáculo pirotécnico ou em idolatria do biografado é uma das marcas do texto de Werneck, um dos grandes talentos de sua geração.
Da pequena obra musical de Ovalle - não mais do que 33 composições -, uma ganharia o mundo e pousaria nas cordas vocais de Kathleen Battle, Victoria de Los Angeles, Maria Bethânia, Elizeth Cardoso, entre muitas outras cantoras nacionais e internacionais: “Azulão”. Uma consulta à discografia do livro dá uma idéia do incrível alcance dos dezesseis compassos que Ovalle compôs, com letra de Manuel Bandeira (“Vai, azulão, azulão, companheiro....”), que se tornariam uma pequena jóia da música brasileira. Sua produção musical inclui outras parcerias com Bandeira (“Berimbau” e “Modinha”) e canções como “Três pontos de santo”, impregnadas dos cantos amazônicos da infância no Pará e do candomblé dos terreiros cariocas.
Essa música, aprendida sem muito rigor formal e profundamente enraizada no folclore, foi desaguar por exemplo na obra de Villa-Lobos, que soube incorporar à sua obra ecos das melodias desfiadas pelo amigo nas rodas de seresta.
Canções
Música: "Azulão". Interpretado por Inezita Barroso