Fevereiro de 2011 - Nº 20   ISSN 1982-7733  
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Nossas vidas de romance


Eliana Pace

Jornalista e escritora

Gosto da palavra, seja ela oral ou escrita, e talvez esteja nesse gostar meu encantamento em ouvir histórias e em contá-las por meio da narrativa.

 

Foram essas descobertas que me levaram a integrar a equipe de jornalistas responsáveis pela Coleção Aplauso da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, um projeto ambicioso que tem como objetivo reabilitar e resgatar a memória da cultura nacional por meio de biografias de atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira das áreas do cinema, teatro e televisão. Como parte desse projeto, assino as biografias dos atores Renato Consorte, Vera Nunes, Geórgia Gomide e Paulo Hesse, da dramaturga Leilah Assumpção e do cantor, compositor e cineasta Sérgio Ricardo. Em parceria com Mauro Alencar, Doutor em Teledramaturgia pela USP e consultor da Rede Globo, trabalhei ainda nas  biografias das atrizes Nívea Maria e Elizabeth Savala (sendo finalizada) e na publicação com a trajetória da TV Paulista, que deu origem à Rede Globo em 1965, e que será lançada em 2011.

 

Graças a esse trabalho, que me proporcionou e proporciona uma enorme satisfação, é que comecei a ministrar Oficinas de Escrita – Biografias na cidade de Santos, com o objetivo de estimular as pessoas a reabilitar, resgatar e documentar a história de um parente mais velho, um amigo especial, um mestre. Toda história de vida é importante e merece ser documentada, na medida em que o universo íntimo de cada pessoa e sua trajetória de vida são especiais. Concordo com o antropólogo Roberto da Matta que, em recente artigo no Estadão, escreveu: Todos temos vidas de romance. Nossos momentos mais sublimes e nossas histórias mais duras, vergonhosas e amargas são todas histórias maravilhosas desde que contadas.

 

A biografia é um gênero literário em que o autor narra a história da vida de uma pessoa ou de várias pessoas – vivas ou mortas – que, através de suas atividades,  deixaram uma importante contribuição para a sociedade. No Brasil, o gênero biográfico teve seus melhores expoentes em Joaquim Nabuco, Lúcia Miguel Pereira, Raimundo Magalhães Junior e Viana Moog. Joaquim Nabuco escreveu, em 1899, Um Estadista do Império, obra considerada um clássico do pensamento brasileiro e que disseca a vida de seu pai, José Thomaz Nabuco de Araújo, principal líder do movimento abolicionista. Lucia Miguel Pereira é a autora das biografias de Machado de Assis, em 1936, e Gonçalves Dias, em 1943. Coube a Raimundo Magalhães Júnior voltar a Machado de Assis em 1955 e biografar Rui Barbosa, em 1965, e a Viana Moog debruçar-se sobre Eça de Queirós, em 1938. No século XX surgem as biografias romanceadas, nas quais o autor recria, ficcionalmente, a vida de um personagem célebre.  

 

Quando uma biografia é escrita pela própria pessoa de quem a obra fala, ou seja, quando o autor procede ao levantamento de sua própria existência, temos a autobiografia e nesse gênero estão manifestações literárias semelhantes entre si, como confissões, memórias e cartas, que revelam sentimentos íntimos e a experiência do autor. Escreveram suas próprias biografias, Jean Paul Sartre,  Simone de Beauvoir, Joaquim Nabuco, Graciliano Ramos, Oswald de Andrade e Pedro Nava, entre outros.  

 

Quando o narrador se expressa na 3ª pessoa, ele não faz parte da história de seu biografado, tem uma visão parcial dela. Quando no entanto o próprio biografado narra sua história e se expressa na 1ª pessoa, passa a atuar como protagonista da história.  É a narrativa na 1ª pessoa que dá verossimilhança ao depoimento. E foi exatamente essa a forma escolhida pela Imprensa Oficial do Estado na formatação dos livros da Coleção Aplauso porque ao contar suas histórias pessoais, os artistas dão a conhecer aos leitores o meio em que viviam, o contexto social em que estavam inseridos, o processo cultural e político pelo qual passou o Brasil nas ultimas décadas.

 

Minha experiência ao ouvir as histórias de vida de tantos ídolos foi enriquecedora. Descobri que narrar a história dos outros é uma experiência de vida fantástica. Não estaria mentindo se dissesse que cada uma das histórias que ouvi e narrei me comoveu e me fez uma pessoa melhor. Ainda hoje, passados algum tempo dos lançamentos que assino, troco carinhos com Leilah Assumpção, Geórgia Gomide, Vera Nunes e Sérgio Ricardo, os quais tive a honra de biografar.

 

Lembro-me  bem de que quando entrevistei o ator Renato Consorte para a biografia Contestador por Índole, que já tinha bem mais de 70 anos, ele mesmo marcava no relógio o tempo das nossas conversas: uma hora exata. E me contava sua trajetória de vida com uma concisão tão grande, que eu saia de cada um dos nossos encontros com um capitulo do livro. Com Renato Consorte, eu ri e chorei, me sentia uma espectadora única e privilegiada de seu talento de ator durante os contatos que tivemos. Mas tenho que confessar que com ele cometi um erro e um acerto. O erro deveu-se à minha ansiedade. Como às vezes ele repetia uma história, eu me adiantava e ia contando o que tinha se passado. Numa tarde, ele me perguntou: - Conto eu ou conto a senhora?  O acerto esteve na abordagem de um episódio muito triste em sua vida, um acidente de avião em que Renato Consorte foi um dos únicos sobreviventes. Deixei que ele tocasse no assunto quando achasse mais conveniente e quando o fez, choramos juntos.

 

Quando iniciei o processo de biografar Leilah Assumpção, deparei-me com uma dramaturga que se exprimia praticamente a partir de sua escrita, uma vez que seu vocabulário nas conversas era muito simples. Fui invadindo sua intimidade e quando ela, numa de nossas primeiras entrevistas, confessou-me que o pai era alcoólatra, fiquei paralisada, sem saber como dar continuidade ao assunto. Ela mesma me acalmou dizendo que o fato era conhecido na cidade em que moravam e acabamos criando uma empatia tão forte que ela diz a quem quiser ouvir que fiz de sua vida “uma pequena obra prima”. É emocionante ouvir um elogio desses da maior dramaturga do país. 

 

Vera Nunes se soltava em volta de uma mesa com chá e quitutes gostosos que providenciava a cada visita minha. E com Geórgia Gomide, a empatia se firmou mesmo num 3º ou 4º encontro, quando ao chegar em sua casa, ela me disse que não poderíamos trabalhar porque um pintor estava na sala. Sentei-me e nas horas em que estive ali, um filme passou-se na minha frente. O pintor caiu da escada, Geórgia meteu o pé na lata de tinta, os cachorros pretos ficaram brancos e quando os móveis tiveram que voltar aos seus respectivos lugares, a diva e a jornalista deram espaço a aspirantes a decoradoras, discutindo espaço para quadros e estantes.     

 

Nívea Maria é uma profissional talentosíssima, dessas que dão aulas sobre a arte de interpretar. Eu ficava embasbacada ao vê-la falando tão bem. E com Elizabeth Savalla, nossa intimidade foi tanta que não raro, nós duas e Mauro Alencar, com quem divido a obra, caíamos na gargalhada com suas tiradas. 

 

Eu era fã de Sérgio Ricardo desde minha juventude, quando tocava ao violão algumas das suas mais belas composições românticas. O tempo passou, conservei por ele uma admiração extremada e quando surgiu seu nome para que eu biografasse, tive que pedir a seu empresário um dia para poder pegar seu telefone e conversar com ele sobre a nossa empreitada. Quantas pessoas tiveram, na vida, a oportunidade de ver um ídolo materializado na sua frente? Eu tive. E recebi Sérgio Ricardo com muito carinho na minha própria casa para sessões intermináveis de histórias, intercaladas com autógrafos em todos meus LPs e CDs. Tenho hoje no meu ídolo um grande e carinhoso amigo.  

 

É importante destacar que se não houver intimidade entre o biografado e o jornalista / escritor, a conversa não rola. A curiosidade, imprescindível no ofício do  jornalista, também marca pontos numa hora dessas. Porque se ele não for invasivo ou curioso, chato mesmo, não teremos uma história. A auxiliar nas entrevistas, uma boa pesquisa sobre a obra de cada uma das celebridades, o timing certo para dar uma conversa por encerrada. Sem esses cuidados, nada será feito.

 

 

ELIANA PACE

 

Bacharel em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social de Santos e em Relações Públicas pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Libero, tem vivência em jornais, emissoras de rádio e agências de publicidade. Desde 1985,  dirige sua própria empresa, a Pace Consultoria em Comunicação, voltada para a prestação de serviços de Assessoria de Imprensa, Relações Públicas, Planejamento e Organização de Eventos para empresas dos mais diversos portes.

 

Paralelamente a essas atividades, atua no mercado editorial  há quase quinze anos  desde que se integrou, como contista, ao Grupo Contares, formado por profissionais que atuam nas  mais diversas áreas e que têm em comum o prazer de escrever. O grupo tem três antologias publicadas: “Contares”, da Editora Toda Prosa, em 1996; “Outros Contares”, em 1999; e “Contares Conta o Natal”, no ano 2000.

 

Por força de sua formação jornalística e de sua experiência como repórter e redatora, desde 2004 integra o grupo de jornalistas que biografam personalidades da classe artística para a Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial do Estado.

                

                     

 

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