Fevereiro de 2011 - Nº 20   ISSN 1982-7733  
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Luiz Carlos Paraná: Eu sei que ainda vou morrer de amor


Breve pefil

Ilustração: Amanda Brambila

Luiz Carlos Paraná, autor de clássicos como “Flor do cafezal”, “Maria, carnaval e cinzas” e “Queria” renasce na Internet após 40 anos de sua morte e reconfigura o romantismo para as novas gerações.

 

Olhos baixos, ligeiramente marejados e o corpo encostado no sofá de sua sala. O agricultor Airton Fonteque definiu com carinho o primo falecido em 3 de dezembro de 1970: “Luiz foi um roceiro com alma de poeta. E como tal, só podia ser um amante da natureza”. Como bom cantor de igreja, desde quando Luiz o ensinou as segundas vozes em fá maior nas Ave-Marias de domingo, ainda adolescentes, Airton ainda conserva nos olhos o brilho da sensibilidade que sua vida dura de caboclo não só não ofuscou como fez aumentar.

Luiz também foi cedo para a lavoura. No início do século XX, as crianças que nasciam na zona rural da pequena e recém-fundada cidade de Ribeirão Claro, no interior do Paraná, como ele, começavam a carpir o cafezal já aos oito anos, enquanto dividiam o dia com os estudos que mantinham na cidade, até o término do ensino primário.

Luiz nasceu a 15 de maio de 1932 e “esteve sempre por perto da criançada, mas à margem do burburinho”, comentou Benedita Fonteque, irmã de Airton. “Sabia fazer-se popular, mas definitivamente tendia para os estudos, a literatura e, claro, a música, que já adolescente começou a aprender sozinho”. “Comecei no violão com um senhor da cidade que nos emprestava manuais. É provável que as primeiras noções do Luiz tenham vindo daí também. Era um autodidata, tinha noção total dos recursos do instrumento”, confirma o irmão Chico, primogênito de Braz Carlos e Ida Fonteque.

Não tardou para que o sonho de ser artista inviabilizasse a permanência de Luiz em Ribeirão Claro. Deixou sua terra em 1955 rumo à Curitiba, onde já havia feito o serviço militar, anos antes. Permaneceu pouco na capital, cantando em rádios, e de 1957 a 1959 já podia ser visto nas boates de Copacabana, onde dividiu quarto de pensão com o pai da Bossa Nova. João Gilberto desde cedo deixou imperar seu temperamento caótico, mas de extremo carinho com seus amigos. Luiz foi testemunha disso. Morando no posto 6, após deixar a pensão de dona Dionéia em Botafogo, Paraná vestia seu terno branco, violão em punho, e desfiava o próprio repertório, além das canções mais badaladas da época. O Rio nos anos 50 concentrava em bairros como Copacabana, grande número de casas noturnas que embalavam uma efervescente boemia.

“Nós o apelidamos de Lagoa Adormecida, tamanha era sua tranquilidade”, diverte-se Leo Vaz, o cantor da voz de veludo da Rádio Nacional, cujo sucesso na gravação de “Caminho verde”, em 57, dividiu com os vocais de Luiz, autor da tradução do famoso bolero de Carmelo Larrea. Afinal, embora criado num ambiente propício às modas caipiras, suas influências iniciais tendiam aos clássicos tangos, boleros e guarânias que facilmente entravam nas rádios do país, até chegarem à radiola de seu Braz, na Fazenda Anhumas, na década de 40. “Chamavam-nos Cascatinha e Inhana quando fazíamos o dueto ao vivo no programa do César Alencar”, orgulhou-se Vaz. “Só não imaginávamos que em alguns anos, seriam os próprios sabiás do sertão que consagrariam ‘Flor do cafezal’, a mais famosa canção de Luiz”.

O ano da gravação, mais precisamente, foi 67, quando já comemorava dois anos, o bar O Jogral, fundado por Luiz na ainda existente Galeria Metrópole, centro de São Paulo, onde ele já residia desde de 59. Depois de muito mambembar e emplacar a guarânia “Queria” na voz de Carlos José, em 64, Paraná deixava para trás seu anonimato e concretizava o sonho de liderar um movimento de resistência na música brasileira. O Jogral passou em 67 por uma mudança de endereço, que curiosamente representa o movimento geográfico de deterioração do Centro paulistano. Instalou-se na Rua Avanhandava, número 16, sem deixar de manter seus ideais, agora postos em prática. O espaço era maior, com palco, piano e Luiz pôde contratar um elenco de cobras da noite e resgatar todo um cancioneiro tradicional quase esquecido com o estouro da Bossa Nova e posteriormente da Jovem Guarda.

Se O Jogral impulsionou Luiz para as inscrições nos festivais da TV Record, é bem verdade que seu destaque nos dois principais eventos de 66 e 67 atraíram mais clientes e o bar consolidou sua fama, tornando-se ponto-mito da terra da garoa, sempre abarrotado de gente. Defendidas respectivamente por Elza Soares e Roberto Carlos, “De amor ou paz” (em parceria com Adauto Santos) e “Maria, carnaval e cinzas” obtiveram segundo e quinto lugares, respectivamente.

Muitos foram os amigos que marcavam presença na casa além de serem sócios minoritários do negócio. Paulo Vanzolini, Marcus Pereira, Adauto Santos, Claudette Soares, Alaíde Costa, Claudia Barroso e Aluizio Azevedo são apenas alguns dos grandes nomes que enfrentavam os desafios caipiras e os aventais e copos sujos da cozinha quando o movimento tornava ínfima a existência de garçons. Eram eles na verdade, parte do elenco fixo da casa, acolhidos como uma família. “Ele era na época o grande responsável pela retomada de um tipo de música que andava esquecido. Com mãos de ferro, mas doces como um pai, foi o Paraná quem salvou nossa música daquele momento em que nosso regionalismo era sufocado pelos modismos e estrangeirismos que invadiam o país”, explicou a cantora, folclorista e pesquisadora Inezita Barroso.

“Ele era um fazedor”, definiu o maestro Julio Medaglia. “Conseguia compor livremente canções tristíssimas sem o tom nostálgico dos anos 1950. Era, na realidade, até um pouco cool, dentro de suas temáticas de resignação; isso se deveu provavelmente à influência de João Gilberto com quem conviveu, mas, sobretudo, pelo grande movimento de limpeza e depuração na onda do qual, a batida da Bossa Nova veio”.

No auge do sucesso, Luiz começou no final da década de 1960 a sofrer os primeiros prenúncios mais sérios de que sua saúde andava comprometida. Fora vítima, quando jovem, de uma febre tifoide, que resultara numa cirrose, sem que nunca tenha posto na boca uma só dose excessiva de álcool. O mais conhecido boêmio do país tornou-se abstêmio e só tomava leite – como que para coroar sua infância de entregador na cidade de Ribeirão Claro. Após alguns meses internado no Hospital Oswaldo Cruz, Luiz sofreu sua última hemorragia e teve como causa mortis, as varizes no esôfago que tanto limitaram sua dieta ao longo dos últimos tempos. Há um ano havia se casado e pouco antes de falecer, viu sua esposa perder o filho que esperavam. A atriz Marta Greis só pôde participar das homenagens ao marido morto, que se tornou nome de rua e praça, sem que isso garantisse de algum modo, sua memória às gerações futuras.

“Ele morreu de mãos dadas comigo. Mais do que isso não quero contar. Foi o momento mais triste da minha vida, perder meu maior amigo. Ainda mais sendo médico e sabendo tecnicamente de tudo o que com ele se passava. Impotente diante de uma situação que poderia ter sido evitada facilmente se na época, ele tivesse recebido um tratamento adequado. Não recebeu, por conta da extrema falta de informação que circundava o universo em que ele foi criado”, lamenta o compositor Paulo Vanzolini, que, desde então, parou de compor. “Meus pais estavam inconformados quando o corpo chegou num monomotor a Ribeirão”, lembrou Chico Carlos. “Descemos a rua do comércio em procissão, enquanto as portas das casas e lojas da cidade iam descendo em sinal de luto. Ele foi enterrado às dezesseis horas do dia quatro de dezembro de 70, e pouco antes, todos ouvimos emocionados ao texto de despedida escrito pela professora Paulina, que me abraçou como quem no fundo nota que ensinou ao mundo, por meio da música de Luiz, como se faz para Morrer de amor!”.

 

Eu sei que ainda vou morrer de amor

Mas que ninguém venha chorar por mim

Pois muito mais do que se pensa ou diz

Há nesse mundo quem se acabe assim

Meu coração que nunca descansou

Há de fazer um dia esse favor

E vai ser lindo o dia em que eu morrer

Mais uma vez o amor há de vencer

Pois eu ainda vou morrer de amor

 

(Trecho da canção “Vou morrer de amor”, de Carlos Paraná)

 

Thiago Sogayar Bechara

Fevereiro de 2011

 Vídeos

  

http://www.youtube.com/watch?v=oHM9GDw0sLU 

Primeira parte da entrevista em que Thiago Bechara fala de Luiz Carlos Paraná

 

http://www.youtube.com/watch?v=mwfMgO41--4&feature=related 

Música "Resignação"

 

http://www.youtube.com/watch?v=YTXfcB_V2p8&feature=related 

Música "Maria Carnaval e Cinzas" 

http://www.youtube.com/watch?v=25w-1ZlSzJs&feature=related 

Música "Canoa Vazia" 

http://www.youtube.com/results?search_query=thiago+sogayar&aq=f 

As 6 entrevistas restantes de Thiago

 

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