Embora freqüentemente associado à famosa Semana de Arte Moderna de 1922, o Modernismo no Brasil foi prenunciado pouco antes disso ainda na década de 1910 e durou, aproximadamente até os anos 50. Três de seus principais precursores foram Anita Malfatti, Lazar Segall e Victor Brecheret, advindos de uma formação artística européia por meio da releitura da qual, puderam propor novos padrões estéticos para a arte brasileira, até então, desprovida de um caráter propriamente nacional, causando profundo estranhamento no meio artístico habituado aos academicismos copiados de fora.
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Numa segunda fase, com o movimento mais consolidado, que pode ser traçada, grosso modo, entre os anos 1910 e 1920, sim, associa-se a outros nomes como os de Tarsila do Amaral ou Di Cavalcanti. A produção artística do país passa, então, a representar a primeira tentativa sistemática de dar um sentido à arte no Brasil, para além de uma atividade “de salão”, e, conseqüentemente, para além das classes dominantes. Pretende assimilar vanguardas européias como o Impressionismo, o Expressionismo, o Fauvismo, o Dadaísmo, o Surrealismo, o Cubismo e o Futurismo, de maneira a dar a elas a roupagem brasileira de que tanto carecia a nossa produção artística até então, trazendo à tona, toda uma consciência política e social do país. Mesclam-se, nesse sentido, de maneira aleatória, buscando, no resultado final, não se parecer com nenhuma delas.
Não se pode esquecer do recente fim da Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918) que terminou por surtir no mundo e, logicamente, em todo o Brasil, mas mais intensamente em estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, um surto de industrialização que obrigava a uma transformação do pensamento social, uma vez que a realidade das pessoas passava a ser completamente alterada com o advento de uma série de novas tecnologias voltadas para a produção da época. Além disso, uma nova elite surgiu com a também crescente urbanização das cidades; uma burguesia industrial marginalizada pela política econômica do governo Federal voltada para produção e exportação do café.
É nesse contexto, cuja necessidade de renovação estética de uma produção já desgastada pelos moldes impostos pela arte européia – acadêmica e influenciada pelas tendências francesas da belle époque -, que o movimento intitulado antropofágico se firma da Semana de 1922 em diante, após o escândalo da primeira exposição de Anita Malfatti em dezembro 1917 ou mesmo a de Lazar Segall com suas obras expressionista em 1913.
Fizeram parte da Semana, artistas como Emiliano Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro e John Graz além de Anita e Brecheret. Só num segundo momento é que se evidenciam alguns outros nomes como os de Tarsila do Amaral, Cícero Dias, Ismael Nery e Antonio Gomide, sem que saiam, entretanto, do cenário artístico, os anteriores supracitados e tantos outros.
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Isso, sem falarmos nos músicos, escultores, literatos, arquitetos e intelectuais que, durante três dias – entre 13 e 17 de fevereiro – tomaram o Teatro Municipal de São Paulo com “sessões literárias e musicais no auditório além da exposição de artes plásticas no saguão, com obras de Ferrignac, Martins Ribeiro, Paim Vieira , Yan de Almeida Prado e Zina Aíta (pintura e desenho), Hildegardo Leão Velloso e Wilhem Haarberg (escultura). As manifestações causaram impacto e foram muito mal recebidas pela platéia formada pela elite paulista, o que na verdade contribuiria para abrir o debate e a difusão das novas idéias em âmbito nacional”.
Apenas alguns dos célebres nomes que compuseram essa variedade de tendências artísticas foram Oswald de Andrade, Mario de Andrade, Heitor Villa Lobos, etc.
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“Estes artistas traziam para outros brasileiros as novidades de Paris, transmitindo novas linguagens vanguardistas. A absorção desta arte presente nos centros europeus une-se à elementos da nacionalidade brasileira, consolidando o projeto modernista. A partir de então, a arte moderna passa a trilhar novos rumos, distanciando-se, no entanto, daqueles estabelecidos na Semana de 22”.
“No avançar dos anos 20, dessa forma, a pintura dos modernistas brasileiros vai misturar ao revival das artes egípcia, pré colombiana e vietnamita, elementos do Art Déco”.
Vale ressaltar, portanto, que a Semana projetada pelo poeta Mario de Andrade serviu apenas como marco histórico de um movimento cujo processo de fomentação já vinha de anos antes e durou muito mais do que apenas alguns dias. E que São Paulo, enquanto centro de frenética imigração, principalmente italiana, e ponto de convergência de tantos avanços tecnológicos na época, funcionou como o lugar ideal, propício para “sediar” tal marco.
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É por meio de obras como as da paulista Tarsila do Amaral, em sua assimilação de elementos surrealistas – bem como nas de Vicente do Rego Monteiro e Ismael Nery, por exemplo -, que se dá, de maneira mais sólida, a afirmação do caráter local, selvagem, intocado pelo homem “civilizado”, e misterioso (quase místico) do Modernismo brasileiro, características essas que dão a tônica de qual o enfoque esses artistas buscavam, grosso modo, para seus trabalhos, num anseio de revelar a verdadeira face da nação.
Thiago Sogayar Bechara
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