Março de 2008 - Nº 09     ISSN 1982-7733
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Júlia Viana e Guilherme Odri

17 anos, 1ºano Jornalismo/Mackenzie

São Paulo - capital

 

A caminho de casa, entro num botequim da Paulista para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto.

Ao fundo do botequim, um casal de negros comemora o aniversário da filha com um pedaço de bolo e um copo de refrigerante. O bolo foi comprado ali mesmo e as velas brancas a mãe trouxe de casa. Eles cantam parabéns timidamente, mas com a convicção e a firmeza de quem não está fazendo nada de errado. De fato não há nada de errado no que acontece ao fundo do botequim. Por que meu olhar foi atraído, então? O que o cotidiano tem de tão especial que chama a atenção de quem escreve e de quem lê? O cotidiano. É algo mais do que matar a fome.

Procuro por algo que me convença a escrever. Para isso, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.

Começo a refletir sobre as pequenas coisas que convencem a gente sem fazer esforço algum para isso. Explico. O bolo de cenoura coberto de chocolate da vovó, por exemplo, objeto não munido de pensamento ou fala, seduz pelo seu cheiro, pela cara de delicioso; uma mulher bem arrumada e perfumada que passa na rua te faz virar o pescoço sem dizer uma palavra sequer, só por sua presença; um livro pede pra ser lido porque é sabido que seu autor é bom e você é convencido a ler, sem saber seu conteúdo. Assim é o processo produtivo de uma crônica: uma cena tem que fazer você acreditar que ela merece ser contada, sem que para isso, tenha que mudar seu curso natural, acontecendo normalmente.

Passo a observar. A namorada tenta extrair do namorado uma confissão amorosa. Sim, ele a ama. Talvez não mais que a cerveja, mas ele a ama. Havia uma pedra no meio do caminho e eu sabia que dali poderia sair um retrato. O mesmo efeito me causa a geografia da Avenida Paulista, com seus imponentes prédios. Um canto de São Paulo em Sol. Se as crônicas são de fato laranjas – podendo ser doces ou azedas, consumidas em gomos ou pedaços, na poltrona de casa ou espremidas na sala de aula – o cotidiano é a natureza, que persuade a árvore a dar frutos constantemente.

Por que eu começo a escrever? Porque sou impelido a isso. Nada me soa mais natural do que retratar as pessoas, as famílias, os lugares. E eu escrevo. Como uma máquina, eu escrevo. O cotidiano me convence a seguir esse caminho. Corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da persuasão. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.

Assim eu quereria minhas crônicas: que fossem puras como esse sorriso. 

 

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