Março de 2008 - Nº 09     ISSN 1982-7733
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Clarice Lispector, nossa homenageada, também fala sobre o escrever no livro Aprendendo a viver - coletânea de crônicas publicadas no Jornal do Brasil.

Transcrevemos alguns trechos para você conhecer Clarice um pouco mais.

ESCREVER (I)

   Não se faz uma frase. A frase nasce.

ESCREVER (II)

    Eu disse uma vez que escrever é uma maldição. Não me lembro por que exatamente eu o disse, e com sinceridade. Hoje repito: é uma maldição, mas uma maldição que salva.

   Não estou me referindo muito a escrever para jornal. Mas escrever aquilo que eventualmente pode se transformar num conto ou num romance. É uma maldição porque obriga e arrasta como um vício penoso do qual é quase impossível se livrar, pois nada o substitui. E é uma salvação.

   Salva a alma presa, salva a pessoa que se sente inútil, salva o dia que se vive e que nunca se entende a menos que se escreva.

Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada.

   Que pena que só sei escrever quando espontaneamente a "coisa" vem. Fico assim à mercê do tempo. E, entre um verdadeiro escrever e outro, podem-se passar anos.

   Lembro-me agora com saudade da dor de escrever livros.

ESCREVER (III)

   Escrever para jornal não é tão impossível: é leve, tem que ser leve, e até mesmo superficial: o leitor, em relação a jornal, não tem nem vontade nem tempo de se aprofundar.

   Mas escrever o que se tornará depois um livro exige às vezes mais força do que aparentemente se tem.

   Sobretudo quando se teve que inventar o próprio método de trabalho, como eu e muitos outros. Quando conscientemente, aos 13 anos de idade, tomei posse da vontade de escrever - eu escrevia quando era criança, mas não tomara posse de um destino - quando tomei posse da vontade de escrever, vi-me de repente num vácuo. E nesse vácuo não havia quem pudesse me ajudar.

  Eu tinha que eu mesma ne erguer de um nada, tinha eu mesma que me entender, eu mesma inventar por assim dizer a minha verdade. Comecei, e nem sequer era pelo começo. Os papéis se juntavam um ao outro - o sentido se contradizia, o desespero de não poder era um obstáculo a mais para realmente não poder. A história interminável que então comecei a escrever (com muita influência de O lobo da estepe, Herman Hesse), que pena eu não a ter conservado: rasguei, desprezando todo um esforço quase sobre-humano de aprendizagem, de autoconhecimento. E tudo era feito em tal segredo. Eu não contava a ninguém, vivia aquela dor sozinha. Uma coisa eu já adivinhava: era preciso tentar escrever sempre, não esperar por um momento melhor pois este simplesmente não vinha. Escrever sempre me foi dificíl, embora tivesse partido do que se chama vocação. Vocação é diferente de talento. Pode-se ter vocação e não ter talento, isto é pode-se ser chamado e não saber como ir.

ESCREVER AS ENTRELINHAS

   Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra - a entrelinha - morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: A não-palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é escrever distraidamente.

EXERCÍCIO

   É curiosa esta experiência de escrever mais leve e para muitos, eu que escrevia "minhas coisas" para poucos. Esta sendo agradável a sensação. Aliás, tenho me convivido muito ultimamente e descobri que sou suportável, àas vezes até agradável de ser.

  Bem. Nem sempre.

 

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