Carlos
Messias
24 anos,tradutor e intérprete
São Paulo-capital
Há
quem diga que os animais não têm noção
de tempo. Acho duvidoso, pois toda vez que chego em casa,
a recepção do meu cachorro parece variar em
entusiasmo, dependendo do tempo em que fiquei fora. Mas,
ao mesmo tempo, a noção de tempo é
fruto da consciência, algo que tenho praticamente
certeza de que os animais (fora os humanos) não dispõem.
Todavia, nossa vida é dividida, avaliada e planejada
em função do tempo: 2005 foi um bom ano; fulano
é um mau aluno, pois demorou sete anos para concluir
a faculdade, e por aí vai. Agora, se você parar
para olhar, entre o ontem perante o hoje, consegue realmente
enxergar a diferença? Existe alguma espécie
de linha divisória que se traça ao anoitecer
e cede ao despertar?
No geral, talvez pela influência holística
no meu pensar, não costumo ver uma diferença
marcante, entre o ontem e o hoje. Há um intervalo
de tempo em que um bocado de coisas acontece e que, para
o bem ou para o mal, resultam no que virá a seguir.
Em 1989, em seu segundo disco, a banda Mudhoney lançou
uma música chamada When Tomorrow Hits (Quando
o Amanhã Chega). Eles eram uns garotões na
época, ainda não tinham estourado junto ao
fenômeno pop chamado grunge, e essa canção
está repleta de fulgor e entusiasmo juvenil. Já
em 1999, o antipenúltimo disco do Mudhoney foi intitulado
de Tomorrow Hits Today (O Amanhã Chega Hoje).
Nesse, os membros da banda estão mais maduros, já
haviam sido engolidos vivos e cuspidos de volta pelo fenômeno
pop chamado grunge, e então dispõem
de uma postura mais amarga, repleta de desilusão,
ironia e laconismo. Recentemente, lutando para sobreviver
no mercado fonográfico, o Mudhoney lançou
Under a Billion Suns, seu mais recente álbum.
Após terem sido desertados pela sua antiga gravadora,
a imponente Warner, o Mud lança pelo selo alternativo
Sub Pop mais um trabalho digno e impetuoso, ainda se mantendo
na fase mais madura e, portanto, menos áurea de sua
carreira. Para sobreviver, Mark Arm (vocalista da banda),
atualmente trabalha como empacotador para a própria
gravadora que lança os seus discos. Ele está
com 44 anos.
Então esse texto é uma biografia do Mudhoney?
Não, não é o que pretendo. E que diabos
essa história sentimentalóide tem a ver com
a proposta inicial deste ensaio? Não sei ao certo,
mas pretendo encontrar o rumo e, principalmente, me fazer
entender enquanto discorro. Aguarde e verá.
Acho que o que mais pega nesta história é
o fato de que Mark Arm está com 44 anos. Claro que
essa não é uma idade assim tão avançada,
mas em 1989, quando comecei a escutar Mudhoney, nunca imaginei
ver o sujeito neste ponto. Eu também era bem mais
novo, de tal forma que 44 anos parecia algo muito distante.
Não posso dizer que eles já estão chegando,
mas posso ouvir os seus passos à distância.
Estou com 24 (sem brincadeiras indecorosas, por favor),
a mesma idade de Neil Young quando compôs a canção
Old Man (não vou nem me atrever a contemplar
a sua idade atual). Eu não só nunca compus
nenhuma pérola do folk rock, como tampouco
fiz qualquer coisa merecedora de respeito ou admiração.
Nesse quase um quarto de século em que estive por
aqui, não fiz absolutamente nada fora perambular
por aí e consumir oxigênio. E o tempo passou,
ah ele passou. O filho da puta é implacável.
Já tive alguns empregos medíocres que não
serviram para nada fora sustentar a minha cervejinha de
fim de semana, terminei uma faculdade que nem me lembro
por que comecei e escrevi dois livros que ninguém
quer ler. Fui um peso morto que permaneceu inerte vendo
a vida passar (como meu pai bem diria). Ou seja, no que
diz respeito a futuro, estou na estaca zero.
Isso é engraçado, pois quando eu estava na
adolescência, enquanto ficava pulando para cima e
para baixo com uma guitarra na mão ouvindo Mudhoney
no talo, eu achava que aos 24 (ah, me poupe) eu já
estaria com a vida feita, com uma carreira definida e engrenada,
com um carro 0 km na garagem, talvez casado e dando entrada
em um apartamento.
O que mudou de lá para cá? Nada, fora sentimento
de urgência perante a probabilidade de essas coisas
acontecerem. De vez em quando, ainda ouço Mudhoney
no talo e fico pulando para cima e para baixo.
A verdade, recorrendo a um chavão e ainda por cima
plagiando Cazuza, é que o tempo não pára.
Ele não te dá tempo nem para coçar
a cabeça. Quando você vê, já foi.
E como não pretendo incluir esse texto em nenhum
livro de auto-ajuda, mesmo porque eu seria a pessoa menos
indicada para aconselhar alguém, não tenho
nenhuma solução.
O que me resta, é constatar que não existe
planejamento. Queremos algo e pretendemos correr atrás.
Sabemos o caminho? Nem sempre. Mas é melhor tentar
e não conseguir do que ficar sentado esperando a
vida passar (certa vez eu li isso numa daquelas mensagens
que os vendedores ambulantes de chiclete deixam sobre o
nosso retrovisor enquanto estamos parados no farol). Pois
o arrependimento é o pior tipo de dor que existe.
Simplesmente, porque não temos como voltar atrás
(estou virando o guru dos chavões).
Não há diferença entre o hoje, o ontem
e o amanhã. Há apenas um intervalo em que
um bocado de coisas acontece, ou não. Não
uma somatória do Eu aos quatro, com o Eu aos catorze
mais o Eu aos vinte e quatro (mas pelo amor de Deus!). Sou
um produto final que se estabeleceu pela subtração:
aquilo que quero ser menos aquilo que não posso ser.
Pois como as variáveis nos fogem, não temos
como prever o que virá a seguir. Posso apenas esperar
que aos 44 eu tenha feito pelo menos alguma coisa que me
faça olhar para trás. Pois o que vem adiante,
ninguém sabe.
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