Agosto de 2006- Nº 03    ISSN 1982-7733
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O amanhã chega hoje

Carlos Messias
24 anos,tradutor e intérprete

São Paulo-capital

Há quem diga que os animais não têm noção de tempo. Acho duvidoso, pois toda vez que chego em casa, a recepção do meu cachorro parece variar em entusiasmo, dependendo do tempo em que fiquei fora. Mas, ao mesmo tempo, a noção de tempo é fruto da consciência, algo que tenho praticamente certeza de que os animais (fora os humanos) não dispõem.

Todavia, nossa vida é dividida, avaliada e planejada em função do tempo: 2005 foi um bom ano; fulano é um mau aluno, pois demorou sete anos para concluir a faculdade, e por aí vai. Agora, se você parar para olhar, entre o ontem perante o hoje, consegue realmente enxergar a diferença? Existe alguma espécie de linha divisória que se traça ao anoitecer e cede ao despertar?

No geral, talvez pela influência holística no meu pensar, não costumo ver uma diferença marcante, entre o ontem e o hoje. Há um intervalo de tempo em que um bocado de coisas acontece e que, para o bem ou para o mal, resultam no que virá a seguir.

Em 1989, em seu segundo disco, a banda Mudhoney lançou uma música chamada When Tomorrow Hits (Quando o Amanhã Chega). Eles eram uns garotões na época, ainda não tinham estourado junto ao fenômeno pop chamado grunge, e essa canção está repleta de fulgor e entusiasmo juvenil. Já em 1999, o antipenúltimo disco do Mudhoney foi intitulado de Tomorrow Hits Today (O Amanhã Chega Hoje). Nesse, os membros da banda estão mais maduros, já haviam sido engolidos vivos e cuspidos de volta pelo fenômeno pop chamado grunge, e então dispõem de uma postura mais amarga, repleta de desilusão, ironia e laconismo. Recentemente, lutando para sobreviver no mercado fonográfico, o Mudhoney lançou Under a Billion Suns, seu mais recente álbum. Após terem sido desertados pela sua antiga gravadora, a imponente Warner, o Mud lança pelo selo alternativo Sub Pop mais um trabalho digno e impetuoso, ainda se mantendo na fase mais madura e, portanto, menos áurea de sua carreira. Para sobreviver, Mark Arm (vocalista da banda), atualmente trabalha como empacotador para a própria gravadora que lança os seus discos. Ele está com 44 anos.

Então esse texto é uma biografia do Mudhoney? Não, não é o que pretendo. E que diabos essa história sentimentalóide tem a ver com a proposta inicial deste ensaio? Não sei ao certo, mas pretendo encontrar o rumo e, principalmente, me fazer entender enquanto discorro. Aguarde e verá.

Acho que o que mais pega nesta história é o fato de que Mark Arm está com 44 anos. Claro que essa não é uma idade assim tão avançada, mas em 1989, quando comecei a escutar Mudhoney, nunca imaginei ver o sujeito neste ponto. Eu também era bem mais novo, de tal forma que 44 anos parecia algo muito distante. Não posso dizer que eles já estão chegando, mas posso ouvir os seus passos à distância.

Estou com 24 (sem brincadeiras indecorosas, por favor), a mesma idade de Neil Young quando compôs a canção Old Man (não vou nem me atrever a contemplar a sua idade atual). Eu não só nunca compus nenhuma pérola do folk rock, como tampouco fiz qualquer coisa merecedora de respeito ou admiração. Nesse quase um quarto de século em que estive por aqui, não fiz absolutamente nada fora perambular por aí e consumir oxigênio. E o tempo passou, ah ele passou. O filho da puta é implacável.

Já tive alguns empregos medíocres que não serviram para nada fora sustentar a minha cervejinha de fim de semana, terminei uma faculdade que nem me lembro por que comecei e escrevi dois livros que ninguém quer ler. Fui um peso morto que permaneceu inerte vendo a vida passar (como meu pai bem diria). Ou seja, no que diz respeito a futuro, estou na estaca zero.

Isso é engraçado, pois quando eu estava na adolescência, enquanto ficava pulando para cima e para baixo com uma guitarra na mão ouvindo Mudhoney no talo, eu achava que aos 24 (ah, me poupe) eu já estaria com a vida feita, com uma carreira definida e engrenada, com um carro 0 km na garagem, talvez casado e dando entrada em um apartamento.

O que mudou de lá para cá? Nada, fora sentimento de urgência perante a probabilidade de essas coisas acontecerem. De vez em quando, ainda ouço Mudhoney no talo e fico pulando para cima e para baixo.

A verdade, recorrendo a um chavão e ainda por cima plagiando Cazuza, é que o tempo não pára. Ele não te dá tempo nem para coçar a cabeça. Quando você vê, já foi. E como não pretendo incluir esse texto em nenhum livro de auto-ajuda, mesmo porque eu seria a pessoa menos indicada para aconselhar alguém, não tenho nenhuma solução.

O que me resta, é constatar que não existe planejamento. Queremos algo e pretendemos correr atrás. Sabemos o caminho? Nem sempre. Mas é melhor tentar e não conseguir do que ficar sentado esperando a vida passar (certa vez eu li isso numa daquelas mensagens que os vendedores ambulantes de chiclete deixam sobre o nosso retrovisor enquanto estamos parados no farol). Pois o arrependimento é o pior tipo de dor que existe. Simplesmente, porque não temos como voltar atrás (estou virando o guru dos chavões).

Não há diferença entre o hoje, o ontem e o amanhã. Há apenas um intervalo em que um bocado de coisas acontece, ou não. Não uma somatória do Eu aos quatro, com o Eu aos catorze mais o Eu aos vinte e quatro (mas pelo amor de Deus!). Sou um produto final que se estabeleceu pela subtração: aquilo que quero ser menos aquilo que não posso ser. Pois como as variáveis nos fogem, não temos como prever o que virá a seguir. Posso apenas esperar que aos 44 eu tenha feito pelo menos alguma coisa que me faça olhar para trás. Pois o que vem adiante, ninguém sabe.

 
Espaço dedicado a crônicas, ensaios e depoimentos.

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