Agosto de 2006- Nº 03    ISSN 1982-7733
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Oi, quer ser meu amigo?

Narrativa enviada por Daniel Andrade
32 anos, formado em Ciências Contábeis
Brasília – DF

Dia desses, antes de um almoço entre amigos, resolvi passar em um sebo para garimpar suas estantes em busca de algum livro de valor.

Minha primeira visita foi à estante de biografias. Gosto de biografias pois com elas aprendemos que somos todos muito parecidos nas nossas alegrias e tristezas, nas nossas inteligências e também na nossa estupidez.

Entre uma leitura e outra, entre vidas como Clarice Lispector e Tolkien, percebi que havia uma outra vida sendo lida, observada de forma escancarada, a minha própria.

Um jovem e desconhecido rapaz, de seus vinte e dois anos talvez, estava me observando de forma tão atenta que quase lhe falei: não, muito obrigado, só estou olhando... Certamente não se tratava de funcionário pois sequer usava o uniforme da casa.

Fiquei bastante constrangido com aquela vigilância e, como não poderia deixar de ser, imediatamente tentei restaurar minha privacidade e chispei dali para o subsolo da loja. Foi então que descobri no meu implacável observador um não menos feroz perseguidor.

Já no subsolo e me sentindo agora com duas sombras, perguntei ao vendedor: amigo, onde fica a seção de literatura? Para meu alívio ele me disse: lá em cima. Ótimo, pensei. Agora eu quero ver esse sujeito me seguir. Mas qual não foi a minha surpresa quando subo a escada e, numa rápida olhadela o vejo em meu encalço.

Incomodado ao extremo e já com uma interrogação estampada no rosto, paro e pergunto olhando diretamente para ele: você trabalha aqui? Sinceramente esperava que ele desconversasse, ficasse sem graça e, diante da minha abordagem, saísse pela tangente. Doce ilusão. O que ouvi foi um surpreendente "não, não trabalho. Você quer ser meu amigo?"

Eu não disse palavra. Não entendi lhufas e, na esperança de que o silêncio fosse suficiente para resolver a situação, me afastei. Persistente que sou, tentei ainda encontrar na livraria um refúgio onde pudesse realizar meu intento mas, na certeza de que ali eu era caça e não caçador, resolvi fugir.

Bati em retirada dizendo para mim mesmo: não olhe para trás... não olhe para trás... olhei. Ali estava ele. Desta vez não disse nada, apenas gesticulei como quem diz: o que é? O que você quer? Ele, bom entendedor de gestos que era, respondeu: eu quero ser seu amigo... me dá seu celular?

– Não. Quer meu celular? – Não. Mais uma vez, fujo. Me viro e sigo até o carro torcendo para que o aspirante a amigo desista de uma vez por todas de mim. Já dentro do carro, são e salvo, dou uma olhada e o vejo voltando à livraria, resignado. Depois de algum tempo, de algumas risadas e já refeito do episódio, pensei: é... que bom seria se pudéssemos escolher e fazer amigos como quem, em uma livraria, escolhe e compra livros.


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