Dezembro de 2006- Nº 04    ISSN 1982-7733
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Caminho de Santiago de Compostela


Relato enviado por Priscila Carmona Maya
20 anos, 4° Direito-Mackenzie e 4° Comunicações-USP
São Paulo - capital

Um grande caminho!

A minha viagem da Semana Santa do ano passado teve início no sec. IX, quando um habitante da atual Santiago de Compostela e o Bispo de Iria Flavia, cidade a 20 Km de Santiago, intrigados com a chuva de estrelas que toda a noite caía no mesmo lugar, ordenaram a escavação daquele local e encontraram a ossada de Tiago, um dos apóstolos de Jesus Cristo, decaptado séculos antes em Jerusalém.


Catedral de Santiago - Foto: Priscila Carmona


Naquele local foi erguida uma capela e desde então, todos os anos, inúmeras pessoas rumam de diversos pontos da Europa para Santiago, fazendo o famoso caminho, já reconhecido pela Unesco como rota cultural da humanidade.

Aproximando-se um pouco mais da atualidade, em 1997, quando fui para a Espanha pela última vez, o homem que sentou-se do meu lado no avião, estava indo fazer o Caminho e falou horas e horas do mesmo, até então, eu, com 14 anos, não entendi nada e achei uma tremenda loucura andar tantos quilômetros para chegar a uma "cidade qualquer".

Há indicações que assinalam todo o caminho (seta amarela e concha amarela); a da concha inclusive mostra a ponte que cruza o Rio Miño, fronteira entre Portugal e Espanha e normalmente ponto de partida dos que optam por fazer o Caminho Português.

2005 - Semana Santa, não tinha idéia do que fazer até ouvir uma amiga, da especialização, dizer que iria fazer o caminho. Não tive dúvidas, aquele seria o meu destino, motivada antes de mais nada por um espírito de aventura, mesmo porque, embora tenha tido uma criação religiosa, fui ensinada a crer apenas em Deus, razão pela qual a falta de fé nos Santos jamais justificaria a minha viagem.
Uma verdadeira loucura, já que não fiz nenhum condicionamento físico para o caminho, tampouco tinha roupas e calçados adequados para a viagem, entre outros.

Saí de Coimbra com mais 4 pessoas, entretanto, logo no primeiro dia, uma desistiu da viagem e o fato das demais discordarem da minha intenção de parar em todos museus, igrejas e demais monumentos que se encontrassem no caminho, fez com que eu optasse por fazer a viagem completamente sozinha.


Então, saí feliz da vida, do jeito que sempre sonhei, com a cara e a coragem, uma mochila nas costas, algumas indicações de por onde começar o caminho e seguindo a filosofia de que só se vive uma vez, razão pela qual deve-se viver cada dia como se o último fosse.


A viagem é uma delícia, parece brincadeira de caça ao tesouro, a diferença é que dessa vez tem-se a possibilidade de conhecer diversas regiões e reviver parte da história da humanidade. É muito engraçado, sai-se pelas ruas das cidades seguindo flechas e conchas amarelas que indicam a rota a ser perseguida até Santiago.


Vou abster-me de descrever o caminho, mesmo porque um relato seria pouco e injusto para tratar de tanta beleza, ater-me-ei apenas a narrar a distância percorrida, 20, 25 km diários em média, e a dizer que por ter cometido vários erros de principiante, fiz metade do caminho com meus pés cheios de bolhas, com a perna esquerda mancando e sobrevivendo às custas de analgésicos e relaxantes muscular.


Às vezes a estafa física e/ou mental é tanta que você parece perder um pouco a razão. No 2º dia, exagerei na dose, andei 37 Km, de modo que nos últimos 10 Km, comecei a "viajar", achar, por exemplo que um pássaro preto de bico amarelo, que aparecia e desaparecia reiteradas vezes, era um anjo que estava me guardando; lembrar que Tiradentes havia sido enforcado, Che Guevara, fuzilado e Cristo, crucificado, razão pela qual deveria suportar as dores que estava sentindo e seguir em frente sem reclamar, entre outros.
Minha amiga também teve um desses momentos e chegou à conclusão de que os aviões, via de regra, não caem porque possuem a forma de um crucifixo!!!


Embora a intenção inicial não fosse fazer uma viagem de cunho religioso, por vezes o desespero e a dor ou ainda a beleza dos lugares pelos quais se passa são tão grandes que, inevitavelmente, eleva-se o pensamento ao céu, clamando por força para terminar a etapa daquele dia ou agradecendo-se pelo fato de se gozar de boa saúde, perfeição física e a oportunidade de se fazer aquela viagem, de modo que acabei tendo a minha espiritualidade imensamente reforçada.


Assim, depois de 6 dias de caminhada árdua, chega-se a conclusões interessantes - que, às vezes, a loucura, insanidade é a oportunidade perfeita para se resgatar o equilíbrio e sanidade tantas vezes afetados pelo caos da vida moderna; que o silêncio é o melhor momento para dar ouvidos à nossa voz interior, tantas vezes ignorada e abafada na correria do dia-a-dia; que a solidão é oportunidade não apenas para conhecer outras pessoas, mas, sobretudo, para conhecer a pessoa que mais importa e a qual muitas vezes não damos a devida importância - você.
Por fim, após inúmeros quilômetros de superação de limites físicos/psicológicos e adversidades, fortalecimento da espiritualidade, reflexão, auto-conhecimento...posso dizer que fiz uma viagem maravilhosa, descobri não apenas regiões da Espanha pelas quais jamais havia passado, mas, sobretudo, uma pessoa muito mais forte da que eu julgava ser, de maneira que chega-se à conclusão (perdoem-me o clichê) de que o céu não mais é o limite, mesmo porque, ao longo do caminho, vive-se emoções tão intensas e passa-se por regiões tão magníficas que tem-se a impressão de tê-lo alcançado algumas vezes.


Os últimos quilômetros duram uma eternidade, eternidade essa que, obviamente, fiz com os olhos cheios de lágrimas, não apenas pela tristeza do fim de uma etapa tão boa da minha vida, pela alegria de se alcançar o objetivo maior, chegar a Santiago, mas, sobretudo, por saber que aquele caminho que, aos 14 anos, julguei ser tremenda loucura, agora fazia parte da minha história de vida!
É isso, saí de Coimbra querendo viver uma aventura e acabei vivendo a experiência mais edificante da minha existência.
Santiago é maravilhosa, fiquei dois dias e meio na cidade, fui à Finisterra no meio dia faltante, e ainda assim saí com a impressão de que faltou conhecer muita coisa. Se der tempo, ainda volto para lá.
Bom, quem quiser me acompanhar, meu próximo objetivo é fazer o Caminho Francês - 800 Km!

 
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