Relato enviado
por Priscila Carmona Maya
20 anos, 4°
Direito-Mackenzie e 4° Comunicações-USP
São Paulo - capital
Um
grande caminho!
A minha viagem da
Semana Santa do ano passado teve início no sec. IX,
quando um habitante da atual Santiago de Compostela e o
Bispo de Iria Flavia, cidade a 20 Km de Santiago, intrigados
com a chuva de estrelas que toda a noite caía no
mesmo lugar, ordenaram a escavação daquele
local e encontraram a ossada de Tiago, um dos apóstolos
de Jesus Cristo, decaptado séculos antes em Jerusalém.
Catedral de Santiago
- Foto: Priscila Carmona
Naquele local foi erguida uma capela e desde então,
todos os anos, inúmeras pessoas rumam de diversos
pontos da Europa para Santiago, fazendo o famoso caminho,
já reconhecido pela Unesco como rota cultural da
humanidade.
Aproximando-se um
pouco mais da atualidade, em 1997, quando fui para a Espanha
pela última vez, o homem que sentou-se do meu lado
no avião, estava indo fazer o Caminho e falou horas
e horas do mesmo, até então, eu, com 14 anos,
não entendi nada e achei uma tremenda loucura andar
tantos quilômetros para chegar a uma "cidade
qualquer".
Há
indicações que assinalam todo o caminho (seta
amarela e concha amarela); a da concha inclusive mostra
a ponte que cruza o Rio Miño, fronteira entre Portugal
e Espanha e normalmente ponto de partida dos que optam por
fazer o Caminho Português.
2005
- Semana Santa, não tinha idéia do que fazer
até ouvir uma amiga, da especialização,
dizer que iria fazer o caminho. Não tive dúvidas,
aquele seria o meu destino, motivada antes de mais nada
por um espírito de aventura, mesmo porque, embora
tenha tido uma criação religiosa, fui ensinada
a crer apenas em Deus, razão pela qual a falta de
fé nos Santos jamais justificaria a minha viagem.
Uma verdadeira loucura, já que não fiz nenhum
condicionamento físico para o caminho, tampouco tinha
roupas e calçados adequados para a viagem, entre
outros.
Saí
de Coimbra com mais 4 pessoas, entretanto, logo no primeiro
dia, uma desistiu da viagem e o fato das demais discordarem
da minha intenção de parar em todos museus,
igrejas e demais monumentos que se encontrassem no caminho,
fez com que eu optasse por fazer a viagem completamente
sozinha.
Então, saí feliz da vida, do jeito que sempre
sonhei, com a cara e a coragem, uma mochila nas costas,
algumas indicações de por onde começar
o caminho e seguindo a filosofia de que só se vive
uma vez, razão pela qual deve-se viver cada dia como
se o último fosse.
A viagem é uma delícia, parece brincadeira
de caça ao tesouro, a diferença é que
dessa vez tem-se a possibilidade de conhecer diversas regiões
e reviver parte da história da humanidade. É
muito engraçado, sai-se pelas ruas das cidades seguindo
flechas e conchas amarelas que indicam a rota a ser perseguida
até Santiago.
Vou abster-me de descrever o caminho, mesmo porque um relato
seria pouco e injusto para tratar de tanta beleza, ater-me-ei
apenas a narrar a distância percorrida, 20, 25 km
diários em média, e a dizer que por ter cometido
vários erros de principiante, fiz metade do caminho
com meus pés cheios de bolhas, com a perna esquerda
mancando e sobrevivendo às custas de analgésicos
e relaxantes muscular.
Às vezes a estafa física e/ou mental é
tanta que você parece perder um pouco a razão.
No 2º dia, exagerei na dose, andei 37 Km, de modo que
nos últimos 10 Km, comecei a "viajar",
achar, por exemplo que um pássaro preto de bico amarelo,
que aparecia e desaparecia reiteradas vezes, era um anjo
que estava me guardando; lembrar que Tiradentes havia sido
enforcado, Che Guevara, fuzilado e Cristo, crucificado,
razão pela qual deveria suportar as dores que estava
sentindo e seguir em frente sem reclamar, entre outros.
Minha amiga também teve um desses momentos e chegou
à conclusão de que os aviões, via de
regra, não caem porque possuem a forma de um crucifixo!!!
Embora a intenção inicial não fosse
fazer uma viagem de cunho religioso, por vezes o desespero
e a dor ou ainda a beleza dos lugares pelos quais se passa
são tão grandes que, inevitavelmente, eleva-se
o pensamento ao céu, clamando por força para
terminar a etapa daquele dia ou agradecendo-se pelo fato
de se gozar de boa saúde, perfeição
física e a oportunidade de se fazer aquela viagem,
de modo que acabei tendo a minha espiritualidade imensamente
reforçada.
Assim, depois de 6 dias de caminhada árdua, chega-se
a conclusões interessantes - que, às vezes,
a loucura, insanidade é a oportunidade perfeita para
se resgatar o equilíbrio e sanidade tantas vezes
afetados pelo caos da vida moderna; que o silêncio
é o melhor momento para dar ouvidos à nossa
voz interior, tantas vezes ignorada e abafada na correria
do dia-a-dia; que a solidão é oportunidade
não apenas para conhecer outras pessoas, mas, sobretudo,
para conhecer a pessoa que mais importa e a qual muitas
vezes não damos a devida importância - você.
Por fim, após inúmeros quilômetros de
superação de limites físicos/psicológicos
e adversidades, fortalecimento da espiritualidade, reflexão,
auto-conhecimento...posso dizer que fiz uma viagem maravilhosa,
descobri não apenas regiões da Espanha pelas
quais jamais havia passado, mas, sobretudo, uma pessoa muito
mais forte da que eu julgava ser, de maneira que chega-se
à conclusão (perdoem-me o clichê) de
que o céu não mais é o limite, mesmo
porque, ao longo do caminho, vive-se emoções
tão intensas e passa-se por regiões tão
magníficas que tem-se a impressão de tê-lo
alcançado algumas vezes.
Os últimos quilômetros duram uma eternidade,
eternidade essa que, obviamente, fiz com os olhos cheios
de lágrimas, não apenas pela tristeza do fim
de uma etapa tão boa da minha vida, pela alegria
de se alcançar o objetivo maior, chegar a Santiago,
mas, sobretudo, por saber que aquele caminho que, aos 14
anos, julguei ser tremenda loucura, agora fazia parte da
minha história de vida!
É isso, saí de Coimbra querendo viver uma
aventura e acabei vivendo a experiência mais edificante
da minha existência.
Santiago é maravilhosa, fiquei dois dias e meio na
cidade, fui à Finisterra no meio dia faltante, e
ainda assim saí com a impressão de que faltou
conhecer muita coisa. Se der tempo, ainda volto para lá.
Bom, quem quiser me acompanhar, meu próximo objetivo
é fazer o Caminho Francês - 800 Km!
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