Julho de 2007 - Nº 06    ISSN 1982-7733
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A palavra certa

Carlos Messias
25 anos, jornalista

São Paulo - capital

Escrever sobre a Escrita em si é sempre uma tarefa bastante complicada. Pois, como pode alguém querer transcender os limites daquilo que está fazendo, enquanto o faz? A reflexão costuma requerer um certo distanciamento, mas aqui não, pois, pretensiosamente, aceitei tamanho encargo. O mais engraçado é que todos aqueles que se atrevem a escrever, uma vez ou outra, fazem algum comentário sobre esse hábito. Verdadeiros cachorros correndo eternamente atrás do próprio rabo. O grau de abstração chega a ser tanto, que por vezes sinto que vou começar a levitar.

Paul Auster é um grande mestre em fazer um hábito aparentemente tedioso, como o hábito de escrever, parecer uma verdadeira jornada transcendental. Porém imagino que suas palavras realmente só sirvam para aquele que escreve: seu marketing tem um público alvo. Uma das coisas que ele escreveu sobre escrever, que me tocou em um nível mais profundo, foi a frase: “Escrever se tornou uma questão de sobrevivência”. Que outra frase poderia melhor traduzir o que essa atividade representa para aqueles que o fazem? Não se começa a escrever por glamour, por forma física, por prosperidade financeira ou por moda (pelo menos por enquanto). A única razão secundária que se pode ter para escrever é pelo clichê de escritor, mas ainda assim, ele só se torna atraente se você for, ou visar ser escritor. O escritor é tido pela média como um tipo decadente, sujo, que vara noites a fio curando com whisky sua eterna dor de corno. Esse estereótipo romântico pode até, em alguns casos, corresponder ao quadro verdadeiro, porém, o processo que leva alguém a querer deixar suas impressões sobre uma folha de papel em branco, é algo muito mais visceral. É uma força interna brusca, sem nada igual, uma voz que o leva a apanhar aqueles sentimentos mais intrínsecos e tentar traduzi-los em palavras da maneira mais exata possível.

Foi assim que cheguei ao título desse texto. Escrever é a eterna busca pela palavra exata. Só que, a experiência me mostrou, que não existe uma palavra exata. Tanto, que quando escolhi usar a palavra “exata” no parágrafo anterior, não soou bem no momento. Já agora, descobri uma maneira de fazer parecer como se a escolha tivesse sido consciente, como que para ilustrar o meu presente argumento, ao invés de permitir que minha atual limitação criativa se tornasse evidente. Bem, não é um exercício simples. Flaubert (anos luz longe de querer estar me comparando a ele) passava horas a fio em devaneio puro, esvaindo seus pensamentos em busca daquela palavra exata. Não! “Exata” de novo. Porra, soou ainda pior que da primeira vez!

Bom, mencionando Paul Auster novamente, ele caracterizava sua profissão como um exercício do cão (não com essas palavras exatamente, e muito menos em função da metáfora tosca que fiz no primeiro parágrafo). Ele dizia que tal tarefa consistia em um sofrimento avassalador, como se tivesse sua alma consumida ao ser sugado pelo texto. Sartre chamaria isso de angústia frente o Nada do Ser. Sim, pois, grosso modo, ao atingirmos um estado de consciência refletida, sujeita a uma torrente de afetos e representações aleatórios, aquela formulação não comportaria nada de consistente.  E é justamente por isso que escrever consiste em uma atividade tão dolorosa, um verdadeiro exercício da Nadificação. Pois o sujeito tem de se atualizar, se decifrar, em um único instante, mas, ao mesmo tempo, deixando isso documentado. Ainda por cima podendo estar sujeito a leitura dos outros e, portanto, ao Nada deles.

Pois a palavra exata (eu insisto nessa bendita) é aquela que não cede espaço a nenhuma outra. Quando você está no meio de uma sentença, em transe até que a próxima palavra se manifeste, você sabe que só existe aquela. Pode não fazer muita idéia qual, mas a reconhece quando vê. Freud caracterizava a produção artística como um sonhar acordado, como uma fonte de manifestação do inconsciente. Talvez, também por isso que escrever seja tão angustiante, porque ao buscarmos aquela palavra, remexemos em uma imensidão de conteúdos latentes que podem ainda não estar prontos para serem trazidos à mente.

É justamente por isso que não existe “palavra exata”. Podem existir números exatos, mas palavras não. Pois elas são unidades mínimas e indivisíveis que permeiam cada pensamento nosso, porque é através da linguagem que pensamos e através do pensamento que damos nome ao sentimento. E como sentimos um pouco de cada vez ou tudo de uma só vez, fica difícil escolher aquela palavra. Por isso que me resignei ao título “A Palavra Certa”. Porque por mais que amanhã eu possa repassar essas palavras e configurá-las de uma maneira diferente, agora elas me servem feito uma luva. Estão dando conta do recado. Pelo menos por enquanto, são “A Palavra Certa”.     

 
Espaço dedicado a crônicas, ensaios e depoimentos.

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