José Leandro Bezerra Júnior
46 anos, jornalista e escritor
Araguaína-To
A literatura conta a história da vida. A partir desse axioma desenvolvo algumas considerações sobre as quais há muito matuto e, para mim, são inquietantes para o futuro de nossa produção literária.
Não vou aqui ater-me a citações, transcrições ou coisas do gênero porque fugiria ao propósito dessa opinião, obrigando-me já a elaborar uma tese ou coisa que a valha.
A literatura corre parelha às grandes movimentações humanas que transformam a face da sociedade e do mundo, chegando primeiro ao leitor que a própria história oficial dessas ações. A meu ver é assim que acontece. Ao longo dos tempos temos visto que escritores de calibre surgiram nesses momentos cruciais - escolas literárias e pictóricas são criadas como expressão dessas transformações -, reportando-os. A literatura e os escritores têm que estar imbricados ao ser humano, às suas inquietações, aspirações e transformações, pois conta justamente a sua vida, para não correr o risco de tornarem-se obsoletos, mortos, verdadeiras peças de museu. Grandes autores não contemporâneos dessas transformações ainda assim têm a oportunidades de explorá-las como cenário de suas histórias. Que não pareça a quem ler essa opinião que defendo que toda literatura tenha que ser exclusivamente histórica. Apenas nesse momento estou abordando esse assunto.
Arrisco-me a dizer que hoje vivemos esse vácuo na literatura brasileira. Onde se encontram os nossos grandes escritores, porta-vozes dos momentos agudos de nossa história, como o foi Euclides da Cunha em Os Sertões? Mundo afora isso é freqüente. Quem não se lembra de Maiakovski e seus parceiros escritores e poetas, não só ativos na revolução bolchevique como intérpretes desses acontecimentos? E Hemingway, relatando os fatos da Primeira Guerra Mundial e também da Guerra Civil Espanhola? Outros autores foram também intérpretes não de momentos revolucionários, mas de transformações evolutivas.
E aqui no Brasil? Uma vez mais pergunto onde estão os grandes escritores intérpretes dos nossos momentos mais importantes? Enumero algumas transformações sociais que não geraram grandes obras; e isso, a meu ver, não porque tenham sido insignificantes, que muito marcaram ou ainda marcam a nossa sociedade. Seria por quê? Incapacidade de nossos autores? Um exemplo: o avanço da fronteira agrícola e populacional sobre a Amazônia Legal e o Centro-Oeste. A luta do homem contra o próprio homem e a natureza nessas duas regiões foi e ainda é fantástica, manancial para grandes romances épicos e históricos. Nada conheço de destaque tratando do tema. Cadê esses registros?
Em todo o país temos a luta do homem pobre contra o latifúndio, a existência do Movimento dos Sem-Terra, o próprio movimento também uma excitante fonte para grandes romances. O que existe de significativo sobre isso?
E sobre a saga de Serra Pelada, o maior garimpo aurífero do mundo, sepulcro de milhares de vidas e também de sonhos?
Saiamos das transformações coletivas e falemos sobre o indivíduo. Lampião, o maior cangaceiro brasileiro, ainda carece de uma biografia definitiva, de um romance rico, verdadeira referência sobre ele e o seu tempo, que esteja à altura de sua significação histórica.
O mesmo digo sobre Zumbi dos Palmares. E sobre Tiradentes? Não falo aqui de teses universitárias ou ótimos trabalhos de pesquisadores sobre o tema ou a personalidade. Esse tipo de trabalho é importante e fundamental, mas dentro do aspecto que abordo seria bibliografia, material de pesquisa para um romance. Falo, pois, da ficção.
Temos ainda outros momentos e personalidades de nossa história importantes e que praticamente foram esquecidos. Sabem quem foi Cunhambebe, Pindobuçu, Aimberê, Coaquira e tantos líderes? E Iperoig? E a Confederação dos Tamoios?
Foram eles líderes da revolta indígena Confederação dos Tamoios contra a violência portuguesa em meados do século XVI, que os matava para ocupar suas terras ou os escravizava como mão-de-obra nos engenhos de cana-de-açúcar do litoral sudeste brasileiro.
Iperoig foi a praia, hoje do Cruzeiro, em Ubatuba, onde foi assinado o primeiro armistício das Américas entre os índios tamoios (Confederados) e os portugueses, pondo fim à luta.
Acredito que o escritor é um perpetuador da história do homem, e os nossos estão deixando essa história morrer.
Legendas:
Foto 1 - Euclides da Cunha - autor de Os Sertões
( www.larramendi.es/Poligrafos/Imagenes/euclides_2.jpg)
Foto 2 - Praia do Cruzeiro ou Iperoig - Ubatuba –SP
(www.ubatubasp.com.br/images/iperoig2.jpg)
Foto 3 - Integrantes do MST
(www.eco-action.org/dod/no7/images/mst2.jpg)
Foto 4 - Serra Pelada por Sebastião Salgado
(www.spencerart.ku.edu/collection/photography/salgado.jpg)
Foto 5 - Representação sobre Zumbi dos Palmares
jjLeandro – 46, jornalista e escritor, residente em Araguaína-To. Autor do livro de poesias Quase Ave com o qual ganhou em 2002 o concurso nacional Cora Coralina, do Governo de Goiás, para poetas inéditos.