Ensaio enviado
por Carlos Messias
24 anos, formado em Psicologia, é tradutor e
intérprete
São Paulo-capital
Eu
não sei qual é o segredo de Brokeback
Mountain. Quer dizer, é um filme belíssimo,
o melhor de Ang Lee desde Tempestade de Gelo, com
atuações maravilhosas de Jake Gyllenhaal e
Heath Ledger (dois dos maiores talentos da atualidade),
uma fotografia deslumbrante e uma história de amor
narrada com extrema sensibilidade. Agora, fora o casal apaixonado
do filme ser constituído por homossexuais, não
há nada de novo ou surpreendente no filme. Muito
menos algo de tão memorável que mereça
troçentas indicações ao Oscar. Não
só isso, como pela primeira vez na minha vida vi
um filme receber as cinco estrelas da crítica na
Veja SP. Fellini, Bergman, Almodóvar sempre ficaram
com três, no máximo quatro. Mas o faroeste
gay merece cinco.
Ou seja, frisando, não há nada de tão
excepcional no filme fora uma história de amor entre
homossexuais narrada com naturalidade. Foi aí que
o tiro saiu pela culatra. Pois enquanto a idéia era
ver como uma história de amor entre indivíduos
do mesmo sexo pode ser igual a uma história de amor
convencional, salvo as intempéries de preconceito
e intolerância, foi tido como algo extraordinário,
justamente por estarmos em uma sociedade preconceituosa,
intolerante e, mais que tudo, hipócrita. Pois eles
estão vendo isso com tudo, menos naturalidade.
Johnny e June é outra obra superestimada.
Não me levem a mal, existem poucos personagens históricos,
principalmente pertencentes a cultura pop, tão interessantes
e tão merecedores de uma cinebiografia quanto Johnny
Cash. Principalmente interpretado com tamanha fidelidade
quanto o foi por Joaquim Phoenix. Mas, infelizmente, não
é um filme sobre a personalidade obscura e impenetrável
do mestre Cash, muito menos sobre seu vasto legado musical.
É um romance com todos os clichês que o gênero
tem direito, só que utiliza o mito Johnny Cash como
pano de fundo. Ou seja, é um Titanic ambientado
no show business.
Crash então nem se fala. É um filme
presunçoso de desfecho bonitinho com um miolo embolado
que por mais que se esforce não consegue sair da
mediocridade. Já o diretor, Paul Haggis, roteirista
do superaclamado Menina de Ouro, se tornou um dos
mais novos queridinhos da Academia de Cinema.
Então, o que acontece? A Academia é um círculo
fechado que só permite a entrada daqueles com a “atitude
certa”? Com certeza. Existe algum vínculo planejado
entre a cerimônia do Oscar e a projeção
mercadológica dos produtos ali divulgados (vínculo
este que de alguma forma se estende até a Veja SP)?
Sem sombra de dúvida. Pois, como podemos ver pela
atual repercussão, um “faroeste gay”
se mostrou uma idéia extremamente polêmica,
apelativa e, como não poderia deixar de ser, vendável.
Tanto que o filme Os Reis de Dogtown, também
lançado no ano passado, em que Heath Ledger interpretou
um surfista desiludido de uma maneira ainda mais magnificente
e emocional do que o cowboy gay de Brokeback Mountain,
não recebeu nenhuma indicação. O Jardineiro
Fiel, deste ano, passou quase despercebido pelos principais
festivais e só recebeu uma indicação
ao Oscar de melhor atriz, acredito eu, por falta de concorrentes
“elegíveis”.
Às vezes me pergunto se as indicações
ao Oscar (ou ao Globo de Ouro, ou ao Screen Actors Guild)
estão de alguma forma relacionadas à época
em que os filmes são lançados. Pois praticamente
todos os filmes concorrentes são lançados
próximos à premiação. Com a
exceção de Crash, que provavelmente
nem os seus produtores botavam fé que aquela porcaria
concorreria a alguma coisa e o lançaram na metade
do ano passado. Mas agora está voltando aos cinemas...
Outra possibilidade que passou pela minha cabeça
é se talvez Hollywood (ou até a sétima
arte) não estariam morrendo aos poucos, assim precisando
fazer o maior alvoroço por qualquer mediocridade
que fosse lançada. Mas qualquer um que se atreve
a assistir os filmes que são lançados fora
do circuito convencional sabe que isso não é
verdade.
E nunca tive tanta certeza disso até assistir o novo
filme de Woody Allen, Ponto Final.
Como já seria de se esperar Ponto Final
mal foi lembrado no Oscar. Ainda que recebeu uma “honrosa”
indicação por roteiro, enquanto é superior
aos concorrentes em tantas outras categorias além
dessa. Na Veja SP, recebeu apenas três estrelas. E,
em meio a enxurrada de filmes “elegíveis”,
está passando quase despercebido pelos cinemas.
Mas nada disso importa, pois com seu novo filme Woody Allen
colocou um ponto final nessa palhaçada toda e mostrou
do que um filme de verdade é feito.
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