Fevereiro de 2011 - Nº 20   ISSN 1982-7733  
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Uma história pessoal de paixão pelo registro


Thiago Sogayar Bechara

 

 Thiago. Desenho feito por Amanda Brambila

 

Desde que me entendo por gente; desde que tenho memória de minha própria existência, possuo também a percepção da consciência que norteia meu amor pela palavra. Um fascínio desmesurado pela beleza que existe na pura capacidade de dois seres humanos se compreenderem desde que adotado um código comum de comunicação. Impressiona-me ter essa garantia da compreensão exata e, mais ainda, as mil possibilidades de a significação deste código tornar-se, em seu extremo oposto, a mais inexata e passível de ruídos possível.

Lembro bem de meu carinho pelo som de cada sílaba bem pronunciada e da curiosidade pela essência contida em cada ideia refletida pelos blocos de letras e sons e tanta história e poesia. Não tardou para que o desejo de registrar meu fascínio se desenvolvesse numa metalinguística aventura em gibis e historietas criadas. Catalogações de plantas e nomes de animais conhecidos na fazenda de meus avós, durante as férias de meio e final de ano. O amor pela natureza esteve sempre muito ligado à minha essência e seria natural partir deste tema para os primeiros desenhos e escritos, até começar a pensar em rimas e versos.

Não sei precisar como nem quando, mas meu pensamento vinha em estrofes cujo pano de fundo comum continha uma grande urgência em, mais do que apenas escrever, sentir que alguma documentação relevante estava sendo feita, para um leitor futuro, que precisaria de meus registros. A ingenuidade infantil se tornou dois livros de poesia já mais maduros, publicados em 2002 e 2004, e outro inédito até hoje.

Paralelamente, o amor pela palavra se desdobrava à medida que minha mente também se ampliava nas descobertas musicais, teatrais e cinematográficas que sozinho, ou guiado por amigos, eu encontrava ao longo de minha adolescência. Assistia aulas de matemática buscando a essência da pronúncia e a limpeza do gesto dramático de Maria Bethânia, na tentativa de entender cada intenção, invejando tanto aquele magnetismo e poder de comunicação: o registro de um Brasil colorido, variado, musical, e artístico ao extremo.

Antes disso, o choque estético levado pelo som da sanfona de Luiz Gonzaga, me fez ir para aulas de acordeom numa pequena casa da Vila Madalena, onde uma senhora às duras penas tentava me prender à partitura. Logo eu, que já me encontrava enlouquecidamente tentado a compor e improvisar sobre os exercícios que me enfadariam, tão logo eu notasse em meu desempenho a possibilidade de seguir sozinho – assim como aprenderia piano e canto, e mais uma vez a palavra musicada, associada ao teatro que – claro – não deixei de experimentar (sempre em busca do formato preferido em que a palavra se consagraria em minha vida).

Consagrou-se de todas as maneiras. Após cursar um ano de Cinema na FAAP e me formar em Jornalismo pelo Mackenzie, apresentei uma tese de conclusão sobre os trinta anos de carreira da cantora, atriz e pianista Cida Moreira. Estava dado o salto que reuniria num só volume meus amores todos. A palavra musical, a palavra interpretada, o fascínio pelo palco, e a palavra escrita, burilada, trabalhada, associada à poesia de minha infância, e ao ímpeto de registrar para gerações futuras, algo, agora sim, mais relevante que catálogos botânicos desenhados e legendados ao bel prazer de minha criatividade: a memória cultural do meu país, feita a partir de histórias de pessoas consagradas pela competência e, muitas vezes, esquecidas pelo público.

A realidade é que apesar de bastante antigo, o gênero biográfico tem ganhado maior atenção nas últimas décadas, num processo gradual de revitalização, e o seu aprofundamento acadêmico, tem, inclusive, gerado trabalhos acerca da compreensão do estilo em si, e de reflexão sobre o fazer biográfico e sua relevância para uma análise mais aprofundada de determinada época histórica. Só percebi, no entanto, que me introduzi nesta nova-velha onda quando já estava nela submerso, ávido de conhecer os meandros e a importância do gênero pelo qual eu estava apaixonado. O que lembro, tenho. A frase é de Guimarães Rosa e remete imediatamente à necessidade de se construir uma memória no que tange, em última análise, à composição de uma identidade cultural, psíquica e artística de um país.

Estudar sobre o fazer biográfico e entender o processo histórico percorrido pelo gênero desde a Antiguidade tem sido motivo de imenso interesse também. E um dos meus trabalhos mais gratificantes até o momento é a biografia de um compositor paranaense, que marcou a época em que viveu na cidade de São Paulo, com a fundação de um importante centro de intelectualidade do país, o bar O Jogral. Trata-se do autor de “Maria, carnaval e cinzas”, Luiz Carlos Paraná (1932-1970), sobre quem escrevi, embora pretenda aprofundar minhas análises estética e historicamente. Foi a partir dele e da compreensão de sua trajetória particular e representativa de um contexto histórico, que se formou em mim a consciência, de modo mais amplo, da importância do registro de toda uma realidade cultural sem a qual nos tornamos um povo sem rosto.

Tomei neste texto a liberdade de – para falar de documentação – empreende-la a partir da minha própria história, tendo-a como ponto de partida para compreender a necessidade de um registro preocupado com a qualidade da apuração, e não menos interessado no prazer com que estas histórias são contadas e lidas – o que torna a apreensão dessas biografias e registros de memória cultura, não apenas relevante e importante para o país, mas igualmente saborosas e – por que não? – quase literárias.

 

  

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