Fevereiro de 2011 - Nº 20   ISSN 1982-7733  
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O Ocaso dos Grandes Homens


Por Gilson César Cardoso de Sousa

Tradutor do livro O Desafio Biográfico, de François Dosse (EDUSP, 2009).


Os gregos não tinham apenas uma palavra para “memória”: tinham também uma deusa, Mnemósine. Portanto, a memória era para eles motivo de reverência.


Os gregos – dos quais vamos aos poucos nos esquecendo – gostavam de se lembrar das coisas. Achavam que o progresso cultural e científico dependia da manutenção e da correta interpretação do acervo de conquistas do pensamento. Hoje, principalmente na esfera da ciência, não julgamos que o saber histórico tenha alguma relevância. Para entender o átomo moderníssimo de Bohr, não é necessário evocar o átomo primitivíssimo de Demócrito – isso é conversa fiada de professores de física encanecidos e saudosistas.


A mentalidade grega, porém, muito diferente, apressou-se já no século V a.C., com Heródoto, a elaborar a primeira história universal digna desse nome. Heródoto, porém, não se limitou a registrar fatos: descreveu também personalidades, ou seja, redigiu as biografias dos homens que estiveram por trás desses fatos.


O mesmo fez Platão. Nos Diálogos, ele não discute apenas a filosofia de Sócrates, delineia também seu perfil psicológico – o mais completo que chegou até nós da Grécia Antiga –, na suposição muito sensata de que Sócrates não nasceu o mais sábio dos homens, mas deveu toda aquela sapiência, em grande parte, às circunstâncias de sua vida. Desse modo, para bem compreender o Sócrates filósofo, impunha-se conhecer o Sócrates homem. Esse o valor da biografia tanto para os gregos quanto para a cultura ocidental até os primórdios do século XX.


Para nós, hoje, não.


Hoje, ingerimos democracia em grandes doses. Mas esse remédio, embora o melhor já sintetizado pelos laboratórios políticos, é fornecido gratuitamente e sem necessidade de prescrição médica, provocando com isso alguns efeitos colaterais indesejáveis. Um deles é a incompatibilidade entre o conceito de Grande Homem e a postura democrática. Nivelando direitos e oportunidades, a democracia nos dá a impressão de nivelar também os talentos. Se vou ao mesmo bordel que Toulouse-Lautrec, a pintura dele vale tanto quanto as pichações com que emporcalho os muros de Paris. Se o Imperador escova os dentes da mesma forma que qualquer outro mortal, como pode exigir que o chamemos de Vossa Majestade? E se Lautrec e o Imperador são feitos do mesmo estofo vulgar e perecível que eu, escrever a biografia deles seria tão dispensável quanto escrever a minha.
Por isso, não há, nem pode haver, grandes homens na democracia. Eles só existem nos impérios e ditaduras (com a diferença de que, nestas últimas, o grande homem é um só).


A biografia, ainda assim, não morreu; ou melhor, morreu mas deixou um filho. Bastardo – o que não importa nada nos regimes democráticos, onde os bastardos têm o mesmo direito ao voto que os legítimos. Esse filho é o que poderíamos chamar de “biografia revisionista”. Ela tenta, em nome da verdade histórica, enxovalhar a memória dos grandes homens provando que foram tão pequenos quanto nós, simples eleitores. Assim, D. João VI nos aparece como um gordalhufo preguiçoso, cuja única função na vida era trincar frangos engordurados e levar chifres de sua esposa – D. João, sem dúvida o administrador mais dinâmico e bem-sucedido que já tivemos. A mesma postura, no episódio do Ipiranga, apeia D. Pedro de seu corcel árdego (adjetivo banido também dos textos históricos, pois o revisionismo procura banalizar até o idioma) e monta-o numa mula extremamente plebeia, que não tinha sequer o dom da fala como suas irmãs bíblicas.


Caso o leitor deseje se aprofundar no tema da biografia, recomendo a obra O Desafio Biográfico, de François Dosse (EDUSP, 2009), uma excelente escolha editorial que tive o prazer de traduzir e que esgota o tema até o momento.


Na obra de Dosse, o leitor verá que o assunto “biografia” é bem mais polêmico do que possa parecer pela leitura deste artigo sem pretensões – pois a pretensão não convém a um cidadão igual a qualquer outro.

 

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