Agosto de 2006- Nº 03    ISSN 1982-7733
Aqui você é o repórter
Dicas para escrever
Fale conosco
Tema da hora
Reportagens
Convidados da hora
Especial da Copa
Comentaristas do JJ
Seção livre
Palavra aberta
Humor
HQ e charge
Intercâmbio
Poesia
Crônica
Cinema
Livros, CDs e DVDs
Especial
Repórter Jovem Comenta
Férias
Exceção
Participe da enquete
Todas as edições do JJ
Escola
Como participar
Escolas no Nº 03
JJ entrevista Celso Frateschi que intrepreta Ricardo III

Entrevista realizada por Jussane Cristine Pavan
18 anos, aluna do Teatro Escola Célia e 2° ano Letras-Mackenzie. São Paulo - capital



Ricardo III - Fotos: Elisa Gomes

- Ricardo III *Clique aqui*
Direção:Roberto Lage

O Jornal Jovem entrevistou Frateschi para descobrir um pouco como ele pensa e como foi o processo dessa incrível peça. Fique por dentro:

Sobre Frateschi:

Eu faço teatro há muito tempo... Acho que há 36 anos. Eu sou formado pelo Teatro de Arena de São Paulo com a direção de Augusto Boal. Fiz cursos lá e trabalhei com o Boal logo de cara. Comecei quando tinha de 16 para 17 anos. Até 1978, só havia duas opções: Escola de Arte Dramática (que não tinham tantas) ou a possibilidade de se ligar a algum grupo. E foi o que eu fiz. Liguei-me ao Arena e fiquei lá até um ano depois de o Boal exilar-se. Depois fomos para o São Pedro e fiquei lá uma grande parte da minha vida. Tivemos muitas peças censuradas e o grupo acabou.
Eu, com o meu grupo, saímos e ficamos de 74 até 80 nos apresentando em bairros de São Paulo, principalmente na zona leste. Ficamos quase cinco anos na zona leste. Um momento muito difícil para o teatro que passava por um momento de forte engajamento político e preocupação social.
Sempre estive ligado à política de uma forma ou outra, através do teatro. Então sempre fiz trabalhos com grupos vocacionais, sempre dirigi trabalhos em bairros. Até hoje, quando tenho a oportunidade, ainda levo as minhas peças, mais de bolso, para as periferias, para as favelas. Gosto de fazer isso e me sinto bem fazendo isso.
T ive muita sorte porque trabalhei com grandes diretores, apesar de não ter feito escola de teatro... Trabalhei com o Boal, António Pedro, Fernando Peixoto; na década de 70 trabalhei com o Zé Renato, com grandes pessoas; trabalhei com o Elias, com o Roberto Lage várias vezes e isso foi a minha formação.
Tive oportunidade de fazer grandes peças e grandes papéis. Consegui construir minha carreira fazendo peças que eu queria fazer mesmo e papéis que foram muito importantes para a minha formação, para a minha vida.
Shakespeare é o terceiro que eu faço: fiz Hamlet em 84, A Tempestade, e agora estou fazendo o Ricardo III, que era um sonho antigo.
Também fiz Tchekhov,
Eurípedes e outros grande autores.

Sobre o processo da peça:

Ricardo III foi o primeiro trabalho que pensamos para 2000. Shakespeare não aborda só um aspecto conjuntural, só o que está acontecendo no momento. Ele consegue, talvez pela época em que escreveu e pela sua genialidade, sem dúvida, abordar a questão estrutural e principalmente do homem na sociedade capitalista. Então acho que ele não fala simplesmente do homem de hoje, no Brasil, ele fala do homem contemporâneo, como ele falou para o homem há 20, 30, 100, 200 anos atrás, com a mesma eficiência, porque ele pega um pouco dessa estrutura dos relacionamentos humanos, que é fundada na ética do individualismo onde, para realizar o que eu quero, vale tudo.

O grupo entende que essa ética do individualismo, apesar de ser hegemônica e reger, quase que de uma maneira totalitária, as relações humanas no mundo contemporâneo, não tem muito mais a contribuir para o avanço da humanidade. Pelo contrário, ela tende a segurar o homem, o que o torna infeliz.

Por isso que Ricardo III vem seguindo a gente há muito tempo. Porém só agora criamos condições objetivas para fazê-lo.

Definindo o homem contemporâneo:

Não é uma coisa fácil de se fazer. A gente percebe que o homem está vivendo num mundo em que existe um grande esforço para que ele seja passivo frente ao que lhe acontece. Querem que o juízo crítico dele diminua, que ele desconfie pouco daquilo que antes desconfiava muito e isso não é positivo.

É um homem que vive muito a imagem, mais do que o concreto. O espetáculo ganha uma dimensão; o fingimento ganha uma dimensão valorada positivamente. Aquele que finge bem, se dá bem; aquele que mente bem, se dá bem; aquele que consegue esconder os seus interesses, se dá bem; aquele que se apropria do outro, se dá bem. Então, são valores completamente atravessados, que geram angústia. Uma angústia talvez maior do que a de enfrentar o problema do jeito que ele é.

Hoje, nas próprias relações amorosas, afetivas, você percebe que existe um modelo de representação dado pela mídia e que você acaba tentando reproduzir. Tudo tem uma regra e tudo tem um modelo, uma imagem que você persegue de uma maneira alucinada.
Até com o nosso próprio corpo a gente já não se dá mais tão bem. A gente tem um modelo de corpo que é o considerado saudável, marombado, legal, e isso gera uma angústia, porque o seu corpo é o seu corpo e não aquele modelo.
A gente percebe, às vezes, o homem contemporâneo perseguindo esse modelo virtual. Quase tentando sair do real, o que abre espaço para todas as infelicidades.

Eu sinto que a grande angústia é que a partir do individualismo, você perde o parâmetro do indivíduo. Esse é o paradoxo. Você perde a noção do que pode ser positivo na relação entre os indivíduos.

Ser o melhor passa a ser o padrão. E esse melhor é definido por coisas completamente estranhas aos próprios desejos, aos próprios impulsos naturais. Isso, a gente percebe que gera uma angústia muito grande nas pessoas.

Os jovens e o teatro:

O teatro é uma forma, um instrumento que a humanidade inventou para que ela própria construísse conhecimento, mas do que passasse conhecimento ao outro.

Eu acredito no teatro que jogue com a platéia fazendo a platéia criar, através do jogo teatral, as suas próprias imagens, os seus próprios conceitos, as suas próprias dúvidas, e nessa identificação de que cada um é cada um na platéia, apesar de serem todos platéia, que a pessoa constrói o conhecimento próprio.

Então eu acredito que o teatro, dentro da era midiática, da era da reprodutibilidade técnica na obra de arte, resiste artesanalmente e não só resiste, ele cresce. Você tem hoje muita gente assistindo teatro e muito mais gente querendo fazer teatro, jogar teatro. Por que? Porque é uma forma de conhecimento de que a humanidade ainda não pode abrir mão. Ela é útil porque recupera o humano na sua simplicidade maior, na sua menor grandeza, como diz Brecht, e é nessa menor grandeza, quando ele consegue construir o conhecimento, que ele se zera. Quando ele não tem nenhum penduricalho e está frente à tempestade “como é que eu faço?”, aí ele consegue construir conhecimento para transpor as tempestades.

Eu acho que se o jovem busca alguma coisa, é isso. Não o jovem burguês, que vai lá ter um prazer carnal como ele tem em qualquer outro lugar, mas aquele que percebe o prazer específico do teatro, ele vai porque ele sabe que esse prazer específico é o prazer da construção do conhecimento próprio, que não tem index: “Você vai conhecer aquilo que já é conhecido”. Não, você não vai ter uma aula de teatro, você vai ter uma experiência de criatividade e através dela construir alguma coisa para você mesmo. Acho que essa é a coisa mais viva que o teatro tem. É essa atitude que pega o público jovem.

É um lugar onde você vai, tanto fazendo como assistindo, e tem uma experiência criativa. O teatro pressupõe um público ativo, um público que também trabalha, um público que vai lá criar junto com o ator. Não é como o cinema americano dos anos 60 que tem tudo pronto e você só assiste, você só tem o prazer de assistir. No teatro você pode só assistir, mas se você vai nesse impulso você não tem o prazer.
Eu sinto que a juventude que está vindo não é boba nem passiva, é uma juventude atuante.

A coincidência dos dois Ricardo’s III

Eu acho o máximo. Acho que é uma prova do vigor do teatro paulista. Acho fantástico você ter dois Ricardo’s III em cartaz. Eu já tinha feito uma outra peça que foi simultânea, “As três Irmãs”, que também, como esta, eram montagens completamente diferentes.
Acho que a comparação é positiva, porque mostra duas visões a respeito do personagem e tenho certeza que lá é um espetáculo de extrema qualidade, porque os profissionais envolvidos são do primeiro time. A cidade só tem a ganhar com a possibilidade do espectador assistir lá e depois vir aqui, ou assistir aqui e ir lá, para poder tirar as suas próprias conclusões, porque como eu disse antes, quem cria o seu próprio espetáculo é o espectador, estimulado pelo que ele vê.
Além de tudo, ter o mesmo texto com duas montagens diferentes é muito estimulante, uma coincidência muito positiva que, espero, aconteçam outras.

Veja também...

- Ricardo III
Direção:Roberto Lage

- Entrevista Celso Frateschi - Ricardo III
Por:Jussane Cristine Pavan

- Quando Nietzsche Chorou
Direção:Ulisses Cohn

 

VOCÊ SABIA?

Anton Tchekhov

“Desprezo a preguiça, assim como desprezo a fraqueza e a apatia dos movimentos da alma. Para viver bem, como um homem digno desse nome, é preciso trabalhar, trabalhar com amor, com fé”.

Tchekhov foi o pioneiro da literatura do teatro realista. No começo foi muito criticado e pensou até em desistir de tudo e voltar a ser médico, mas resolveu dar mais uma chance a ele mesmo e autorizou a produção da sua peça “A Gaivota” para o Teatro Artístico de Moscou (fundado por Stanislavski, ator, e Dantchenko, autor).

“A Gaivota” se tornou um ícone para todos que se interessam por teatro e foi com ela que Stanislavski conseguiu dar início a sua técnica de teatro, que até hoje é a técnica mais conhecida e usada no mundo inteiro.

“Anton Pavlovitch Tchekhov sentou-se na cama e de maneira significativa disse em voz alta e em alemão: “Ich sterbe” - Estou morrendo. Depois, segurou o copo, voltou-se para mim, sorria com o seu maravilhoso sorriso e disse: “Faz tempo que eu não bebo champanhe”. Bebeu o seu copo tranqüilamente todo o copo, estendeu-se em silêncio e, alguns instantes depois, calou-se para sempre. E a pavorosa calma da noite foi apenas alterada por uma enorme borboleta noturna, que entrou pela janela e voou , atordoada, pelo quarto, em torno das lâmpadas acesas. O médico retirou-se. No silêncio da noite, com um estampido terrível, a rolha da garrafa interminada saltou. Começou a clarear, com a natureza a despertar, um primeiro réquiem: os doces e formosos cantos das aves e os acordes do órgão da igreja próxima. Nem uma voz humana, nada do cotidiano da vida, somente a calma e a grandeza da morte”.

Olga Knipper, atriz e mulher de Anton Tchekhov
.

Quem comenta esse pensamento é Jussane Cristine Pavan, 18 anos - São Paulo, capital, aluna do Teatro Escola Célia Helena.

 
Conheça o portfólio