Entrevista
realizada por Jussane Cristine Pavan
18 anos, aluna do Teatro Escola Célia e 2° ano Letras-Mackenzie.
São Paulo - capital
Ricardo III -
Fotos: Elisa Gomes
-
Ricardo III *Clique aqui*
Direção:Roberto
Lage
O
Jornal Jovem entrevistou Frateschi para descobrir um pouco
como ele pensa e como foi o processo dessa incrível
peça. Fique por dentro:
Sobre
Frateschi:
Eu
faço teatro há muito tempo... Acho que há
36 anos. Eu sou formado pelo Teatro de Arena de São
Paulo com a direção de Augusto Boal. Fiz cursos
lá e trabalhei com o Boal logo de cara. Comecei quando
tinha de 16 para 17 anos. Até 1978, só havia
duas opções: Escola de Arte Dramática
(que não tinham tantas) ou a possibilidade de se
ligar a algum grupo. E foi o que eu fiz. Liguei-me ao Arena
e fiquei lá até um ano depois de o Boal exilar-se.
Depois fomos para o São Pedro e fiquei lá
uma grande parte da minha vida. Tivemos muitas peças
censuradas e o grupo acabou.
Eu, com o meu grupo, saímos e ficamos de 74 até
80 nos apresentando em bairros de São Paulo, principalmente
na zona leste. Ficamos quase cinco anos na zona leste. Um
momento muito difícil para o teatro que passava por
um momento de forte engajamento político e preocupação
social.
Sempre estive ligado à política de uma forma
ou outra, através do teatro. Então sempre
fiz trabalhos com grupos vocacionais, sempre dirigi trabalhos
em bairros. Até hoje, quando tenho a oportunidade,
ainda levo as minhas peças, mais de bolso, para as
periferias, para as favelas. Gosto de fazer isso e me sinto
bem fazendo isso.
T ive muita sorte porque trabalhei com grandes diretores,
apesar de não ter feito escola de teatro... Trabalhei
com o Boal, António Pedro, Fernando Peixoto; na década
de 70 trabalhei com o Zé Renato, com grandes pessoas;
trabalhei com o Elias, com o Roberto Lage várias
vezes e isso foi a minha formação.
Tive oportunidade de fazer grandes peças e grandes
papéis. Consegui construir minha carreira fazendo
peças que eu queria fazer mesmo e papéis que
foram muito importantes para a minha formação,
para a minha vida.
Shakespeare é o terceiro que eu faço: fiz
Hamlet em 84, A Tempestade, e agora estou
fazendo o Ricardo III, que era um sonho antigo.
Também fiz Tchekhov, Eurípedes
e outros grande autores.
Sobre
o processo da peça:
Ricardo III foi o primeiro trabalho que pensamos
para 2000. Shakespeare não
aborda só um aspecto conjuntural, só o que
está acontecendo no momento. Ele consegue, talvez
pela época em que escreveu e pela sua genialidade,
sem dúvida, abordar a questão estrutural e
principalmente do homem na sociedade capitalista. Então
acho que ele não fala simplesmente do homem de hoje,
no Brasil, ele fala do homem contemporâneo, como ele
falou para o homem há 20, 30, 100, 200 anos atrás,
com a mesma eficiência, porque ele pega um pouco dessa
estrutura dos relacionamentos humanos, que é fundada
na ética do individualismo onde, para realizar o
que eu quero, vale tudo.
O grupo entende que essa ética do individualismo,
apesar de ser hegemônica e reger, quase que de uma
maneira totalitária, as relações humanas
no mundo contemporâneo, não tem muito mais
a contribuir para o avanço da humanidade. Pelo contrário,
ela tende a segurar o homem, o que o torna infeliz.
Por isso que Ricardo III vem seguindo a gente há
muito tempo. Porém só agora criamos condições
objetivas para fazê-lo.
Definindo o homem contemporâneo:
Não é uma coisa fácil de se
fazer. A gente percebe que o homem está vivendo num
mundo em que existe um grande esforço para que ele
seja passivo frente ao que lhe acontece. Querem que o juízo
crítico dele diminua, que ele desconfie pouco daquilo
que antes desconfiava muito e isso não é positivo.
É
um homem que vive muito a imagem, mais do que o concreto.
O espetáculo ganha uma dimensão; o fingimento
ganha uma dimensão valorada positivamente. Aquele
que finge bem, se dá bem; aquele que mente bem, se
dá bem; aquele que consegue esconder os seus interesses,
se dá bem; aquele que se apropria do outro, se dá
bem. Então, são valores completamente atravessados,
que geram angústia. Uma angústia talvez maior
do que a de enfrentar o problema do jeito que ele é.
Hoje, nas próprias relações amorosas,
afetivas, você percebe que existe um modelo de representação
dado pela mídia e que você acaba tentando reproduzir.
Tudo tem uma regra e tudo tem um modelo, uma imagem que
você persegue de uma maneira alucinada.
Até com o nosso próprio corpo a gente já
não se dá mais tão bem. A gente tem
um modelo de corpo que é o considerado saudável,
marombado, legal, e isso gera uma angústia, porque
o seu corpo é o seu corpo e não aquele modelo.
A gente percebe, às vezes, o homem contemporâneo
perseguindo esse modelo virtual. Quase tentando sair do
real, o que abre espaço para todas as infelicidades.
Eu sinto que a grande angústia
é que a partir do individualismo, você perde
o parâmetro do indivíduo. Esse é o paradoxo.
Você perde a noção do que pode ser positivo
na relação entre os indivíduos.
Ser o melhor passa a ser o padrão. E esse melhor
é definido por coisas completamente estranhas aos
próprios desejos, aos próprios impulsos naturais.
Isso, a gente percebe que gera uma angústia muito
grande nas pessoas.
Os jovens e o teatro:
O
teatro é uma forma, um instrumento que a humanidade
inventou para que ela própria construísse
conhecimento, mas do que passasse conhecimento ao outro.
Eu acredito no teatro que jogue com a platéia fazendo
a platéia criar, através do jogo teatral,
as suas próprias imagens, os seus próprios
conceitos, as suas próprias dúvidas, e nessa
identificação de que cada um é cada
um na platéia, apesar de serem todos platéia,
que a pessoa constrói o conhecimento próprio.
Então eu acredito que o teatro, dentro da era midiática,
da era da reprodutibilidade técnica na obra de arte,
resiste artesanalmente e não só resiste, ele
cresce. Você tem hoje muita gente assistindo teatro
e muito mais gente querendo fazer teatro, jogar teatro.
Por que? Porque é uma forma de conhecimento de que
a humanidade ainda não pode abrir mão. Ela
é útil porque recupera o humano na sua simplicidade
maior, na sua menor grandeza, como diz Brecht, e é
nessa menor grandeza, quando ele consegue construir o conhecimento,
que ele se zera. Quando ele não tem nenhum penduricalho
e está frente à tempestade “como é
que eu faço?”, aí ele consegue construir
conhecimento para transpor as tempestades.
Eu acho que se o jovem busca alguma coisa, é isso.
Não o jovem burguês, que vai lá ter
um prazer carnal como ele tem em qualquer outro lugar, mas
aquele que percebe o prazer específico do teatro,
ele vai porque ele sabe que esse prazer específico
é o prazer da construção do conhecimento
próprio, que não tem index: “Você
vai conhecer aquilo que já é conhecido”.
Não, você não vai ter uma aula de teatro,
você vai ter uma experiência de criatividade
e através dela construir alguma coisa para você
mesmo. Acho que essa é a coisa mais viva que o teatro
tem. É essa atitude que pega o público jovem.
É um
lugar onde você vai, tanto fazendo como assistindo,
e tem uma experiência criativa. O teatro pressupõe
um público ativo, um público que também
trabalha, um público que vai lá criar junto
com o ator. Não é como o cinema
americano dos anos 60 que tem tudo pronto e você só
assiste, você só tem o prazer de assistir.
No teatro você pode só assistir, mas se você
vai nesse impulso você não tem o prazer.
Eu sinto que a juventude que está vindo não
é boba nem passiva, é uma juventude atuante.
A coincidência dos dois Ricardo’s III
Eu acho o máximo. Acho que é uma prova do
vigor do teatro paulista. Acho fantástico você
ter dois Ricardo’s III em cartaz. Eu já tinha
feito uma outra peça que foi simultânea, “As
três Irmãs”, que também, como
esta, eram montagens completamente diferentes.
Acho que a comparação é positiva, porque
mostra duas visões a respeito do personagem e tenho
certeza que lá é um espetáculo de extrema
qualidade, porque os profissionais envolvidos são
do primeiro time. A cidade só tem a ganhar com a
possibilidade do espectador assistir lá e depois
vir aqui, ou assistir aqui e ir lá, para poder tirar
as suas próprias conclusões, porque como eu
disse antes, quem cria o seu próprio espetáculo
é o espectador, estimulado pelo que ele vê.
Além de tudo, ter o mesmo texto com duas montagens
diferentes é muito estimulante, uma coincidência
muito positiva que, espero, aconteçam outras.
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