Beatriz
Andrade
23 anos, jornalista esportiva
São Paulo - capital
Enviado
em 13/07/2006
O lema
da Copa do Mundo da Alemanha foi "A time to make friends"
Foto: Beatriz
Andrade
A festa brasileira que acompanhei nessa última Copa
do Mundo começou ainda no aeroporto de Londres, cidade
que abriga milhares de brasileiros, seduzidos por subempregos
na moeda mais forte do mundo. Ali dentro, à espera
do vôo das 6:25 da manhã com destino a Berlim,
muitos deles aguardavam o momento do embarque com o pandeiro
na mão e o verde e amarelo nos rostos e roupas. Quando
se está vivendo fora do país, o orgulho pela
própria origem e cultura fica ainda mais forte. E,
para aqueles que pensam não ter, o orgulho aparece.
Em
Copa do Mundo, então, a situação se
agrava. Afinal, trata-se da festa mais importante do mundo.
O principal torneio do esporte mais popular e democrático
que existe. Esporte de Crouch e Maradona. Kaká e
Tevez. A celebração de algo que, na teoria
e nos números, ninguém faz melhor que o brasileiro.
É como se fossemos os donos da festa. Nossa camisa
é sinônimo de excelência e respeito.
E, ao menos durante a competição, todos gostariam
de ser brasileiro.
Contagiada pelo batuque e pelas cores que ocupavam boa parte
da aeronave, a comissária não resistiu e mudou,
propositalmente, o destino do vôo. O avião
saia de Londres em direção ao Brasil. E, de
fato, da véspera do jogo de estréia da seleção
brasileira na capital alemã, até o dia que
ela partiu para Munique, onde disputaria sua segunda partida,
Berlim viveu seus dias de Brasil (Daquele "que canta
e é feliz", claro)...
Após as recomendações finais de desembarque,
a temperatura e hora locais, veio um "good morning
and força Brasil!" da "nossa" aeromoça
que, depois dessa, teve seu nome gritado e aplaudido pelos
brasileiros.

O
Portal de Brademburgo, cartão-postal de Berlim, foi
o ponto de encontro dos torcedores na capital alemã.
Foto: Beatriz Andrade
Na
festa do futebol, o passaporte verde, sempre sinônimo
de interrogatório e desconfiança, vira um
VIP ("very important person"). Durante 1 mês,
a Alemanha é um pouquinho de Brasil. E nós,
brasileiros, somos um pouco de Alemanha, um pouco de Europa.

Uma
enorme bola de futebol ilumidada foi colocada à frente
do Portal
Foto: Beatriz Andrade
A
terra de Schumacher, do idioma difícil e da cerveja,
virou nosso campo de futebol e, o custo de vida no país,
nosso maior adversário. Como, para nós, obstáculo
é sinônimo de drible, as brechas para o famoso
"jeitinho brasileiro" logo são encontradas.
A principal vítima: os validadores de ticket de transporte.
O sistema de transporte alemão "vale o ingresso".
Em Berlim, por exemplo, metrô e ônibus cobrem
toda a cidade. Nos pontos e estações você
tem a informação de quanto tempo falta para
o ônibus ou o trem chegarem. Se atrasarem, o painel
eletrônico pede desculpas pelo transtorno e dá
um novo horário para a chegada. Apesar da complicação
da língua e do emaranhado de linhas do metrô,
em dois dias o turista consegue se locomover por Berlim.
Essa eficiência tem um preço: de 2,20 euros
do unitário aos quase 23 euros do ticket semanal.
Eles são válidos para metrô e ônibus
dentro da zona central de Berlim. A catraca não existe.
Em seu lugar, há pequenas máquinas localizadas
no hall de embarque dos trens e dentro dos ônibus.
Para o ticket ter validade é necessário passá-lo
no validador, que carimba a data e a hora.
Para muitos brasileiros que acompanhavam a Copa dormindo
em albergues, parques ou aeroportos, o gasto com transporte
era muito caro e, principalmente, desnecessário.
Afinal, "é Copa do Mundo! E no metrô,
por exemplo, é difícil encontrar um fiscal",
justificavam. Andar de ônibus sem o passe é
mais complicado, pois é necessário mostrá-lo
ao motorista. Mas nem por isso ele deixa de ser driblado.
Para pegar ônibus sem pagar é só fazer
a tabela com a porta de trás!
Certo dia, ao parar no ponto de ônibus próximo
à Casa de Cultura de Berlim, que durante a Copa homenageou
o Brasil, levando artistas como Chico Buarque e Nando Reis,
muitos brasileiros entraram pela porta traseira do ônibus.
Enquanto eu me envergonhava com a cena, uma alemã
ao meu lado se divertia com a atitude "irresponsável"
dos brasileiros. Em Berlim, as coisas e a vida parecem tão
corretas e metódicas, que a quebra de protocolo deve
seduzir os alemães. E os brasileiros, aos poucos,
dominam o jogo e aprendem a se virar pela Europa.

Confraternização
entre alemães e brasileiros em Munique
Foto: Beatriz Andrade
Descobrem,
por exemplo, que a devolução das garrafas
vazias no supermercado pode render até 0,25 centavos
de euro, por unidade. Juntar garrafas vira "o esquema".
E os alemães, vestidos de verde e amarelo, sentem-se
mais à vontade para expor sua felicidade. Seja em
uma roda de futebol na Fan Fest, ou "se jogando"
num show da Ivete Sangalo.
Em Munique, o grupo que eu acompanhava foi abordado por
um casal de alemães na faixa dos 60 anos. Eles disseram
adorar a nossa alegria e comentaram o fato de ter muitos
brasileiros vivendo na Alemanha. No entanto, a cena que
mais me impressionou foi a de um punk alemão
dentro do metrô de Berlim. De moicano, roupas e botas
pretas, ele tinha nas mãos uma bandeira brasileira.
A cena, aparentemente besta e comum na Copa, muda de figura
se pensarmos que os avós desse garoto tenham vivido
em uma Alemanha intolerante, que pregava a preservação
da própria raça e que seus pais moraram em
uma cidade cercada por um muro, dividindo um mesmo povo.

Com
a ausência da Venezuela na Copa, os três rapazes
venezuelanos
não tiveram
dúvidas na hora de escolher o país que apoiariam.
Foto: Beatriz Andrade
E
o portal de Brademburgo, cartão-postal da cidade,
que até 1989 tinha sua beleza encoberta por ele,
durante a Copa teve à sua frente uma enorme bola
de futebol luminosa e foi a porta de entrada para a "Fan
Fest", local oficial da festa dos torcedores em Berlim.
Com telões e brincadeiras relacionadas ao esporte,
era ali que pessoas do mundo inteiro se encontravam. Sem
violência ou confusão. Essa tranqüilidade
e o não-tratamento do futebol como uma guerra, levavam
os brasileiros a caçoarem do desejo do país
em sediar uma Copa do Mundo.
Enquanto nós olhávamos Berlim desejando que,
algum dia, o Brasil tenha pelo menos um pouco daquela organização
onde a vida parece funcionar de uma forma mais justa, eles
também gostariam de ter o nosso ímpeto, o
nosso atrevimento para se adaptar a uma realidade que difere
da nossa.
No futebol não é diferente: se creditamos
nossa eliminação, entre outras coisas, à
falta do conjunto, do jogo coletivo, outras equipes lamentam
a falta de valores individuais que decidam uma partida.
O mundo e a bola jamais vão girar de uma maneira
que nos agrade 100%. Felizmente...
O triste é que, há tanto tempo na Europa,
vivendo como europeus, nossos milionários jogadores
tenham se esquecido do jeito brasileiro de encarar os problemas
e a vida. E assim, perderam a noção do que
o futebol representa para o brasileiro. Daquele que assiste
aos jogos, espremido, no Vale do Anhangabaú, em São
Paulo, àquele que exibe, orgulhoso, a vitoriosa camisa
amarela nas ruas da Oxford Street, em Londres.
Meu ticket venceu 1 dia antes de eu deixar Berlim. Passei
o último dia andando de metrô. E quando tive
que pegar um ônibus, aproveitei a aglomeração
na frente do motorista e mostrei rapidamente o passe vencido,
tampando a data com o dedo. Foi mais forte do que eu. Afinal,
sou brasileira. E se o leitor quiser condenar minha atitude,
fique à vontade. Olhar e julgar o que o outro faz
também é outra forte característica
do nosso povo.
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