Agosto de 2006- Nº 03    ISSN 1982-7733
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Driblando adversários e validadores: o torcedor brasileiro na Europa

Beatriz Andrade
23 anos, jornalista esportiva
São Paulo - capital

Enviado em 13/07/2006

O lema da Copa do Mundo da Alemanha foi "A time to make friends"
Foto: Beatriz Andrade


A festa brasileira que acompanhei nessa última Copa do Mundo começou ainda no aeroporto de Londres, cidade que abriga milhares de brasileiros, seduzidos por subempregos na moeda mais forte do mundo. Ali dentro, à espera do vôo das 6:25 da manhã com destino a Berlim, muitos deles aguardavam o momento do embarque com o pandeiro na mão e o verde e amarelo nos rostos e roupas.
Quando se está vivendo fora do país, o orgulho pela própria origem e cultura fica ainda mais forte. E, para aqueles que pensam não ter, o orgulho aparece.

Em Copa do Mundo, então, a situação se agrava. Afinal, trata-se da festa mais importante do mundo. O principal torneio do esporte mais popular e democrático que existe. Esporte de Crouch e Maradona. Kaká e Tevez. A celebração de algo que, na teoria e nos números, ninguém faz melhor que o brasileiro. É como se fossemos os donos da festa. Nossa camisa é sinônimo de excelência e respeito. E, ao menos durante a competição, todos gostariam de ser brasileiro.

Contagiada pelo batuque e pelas cores que ocupavam boa parte da aeronave, a comissária não resistiu e mudou, propositalmente, o destino do vôo. O avião saia de Londres em direção ao Brasil. E, de fato, da véspera do jogo de estréia da seleção brasileira na capital alemã, até o dia que ela partiu para Munique, onde disputaria sua segunda partida, Berlim viveu seus dias de Brasil (Daquele "que canta e é feliz", claro)...

Após as recomendações finais de desembarque, a temperatura e hora locais, veio um "good morning and força Brasil!" da "nossa" aeromoça que, depois dessa, teve seu nome gritado e aplaudido pelos brasileiros.

O Portal de Brademburgo, cartão-postal de Berlim, foi o ponto de encontro dos torcedores na capital alemã. Foto: Beatriz Andrade

Na festa do futebol, o passaporte verde, sempre sinônimo de interrogatório e desconfiança, vira um VIP ("very important person"). Durante 1 mês, a Alemanha é um pouquinho de Brasil. E nós, brasileiros, somos um pouco de Alemanha, um pouco de Europa.

Uma enorme bola de futebol ilumidada foi colocada à frente do Portal
Foto: Beatriz Andrade

A terra de Schumacher, do idioma difícil e da cerveja, virou nosso campo de futebol e, o custo de vida no país, nosso maior adversário. Como, para nós, obstáculo é sinônimo de drible, as brechas para o famoso "jeitinho brasileiro" logo são encontradas. A principal vítima: os validadores de ticket de transporte.

O sistema de transporte alemão "vale o ingresso". Em Berlim, por exemplo, metrô e ônibus cobrem toda a cidade. Nos pontos e estações você tem a informação de quanto tempo falta para o ônibus ou o trem chegarem. Se atrasarem, o painel eletrônico pede desculpas pelo transtorno e dá um novo horário para a chegada. Apesar da complicação da língua e do emaranhado de linhas do metrô, em dois dias o turista consegue se locomover por Berlim.

Essa eficiência tem um preço: de 2,20 euros do unitário aos quase 23 euros do ticket semanal. Eles são válidos para metrô e ônibus dentro da zona central de Berlim. A catraca não existe. Em seu lugar, há pequenas máquinas localizadas no hall de embarque dos trens e dentro dos ônibus. Para o ticket ter validade é necessário passá-lo no validador, que carimba a data e a hora.

Para muitos brasileiros que acompanhavam a Copa dormindo em albergues, parques ou aeroportos, o gasto com transporte era muito caro e, principalmente, desnecessário. Afinal, "é Copa do Mundo! E no metrô, por exemplo, é difícil encontrar um fiscal", justificavam. Andar de ônibus sem o passe é mais complicado, pois é necessário mostrá-lo ao motorista. Mas nem por isso ele deixa de ser driblado. Para pegar ônibus sem pagar é só fazer a tabela com a porta de trás!

Certo dia, ao parar no ponto de ônibus próximo à Casa de Cultura de Berlim, que durante a Copa homenageou o Brasil, levando artistas como Chico Buarque e Nando Reis, muitos brasileiros entraram pela porta traseira do ônibus. Enquanto eu me envergonhava com a cena, uma alemã ao meu lado se divertia com a atitude "irresponsável" dos brasileiros. Em Berlim, as coisas e a vida parecem tão corretas e metódicas, que a quebra de protocolo deve seduzir os alemães. E os brasileiros, aos poucos, dominam o jogo e aprendem a se virar pela Europa.

Confraternização entre alemães e brasileiros em Munique
Foto: Beatriz Andrade

Descobrem, por exemplo, que a devolução das garrafas vazias no supermercado pode render até 0,25 centavos de euro, por unidade. Juntar garrafas vira "o esquema". E os alemães, vestidos de verde e amarelo, sentem-se mais à vontade para expor sua felicidade. Seja em uma roda de futebol na Fan Fest, ou "se jogando" num show da Ivete Sangalo.

Em Munique, o grupo que eu acompanhava foi abordado por um casal de alemães na faixa dos 60 anos. Eles disseram adorar a nossa alegria e comentaram o fato de ter muitos brasileiros vivendo na Alemanha. No entanto, a cena que mais me impressionou foi a de um punk alemão dentro do metrô de Berlim. De moicano, roupas e botas pretas, ele tinha nas mãos uma bandeira brasileira. A cena, aparentemente besta e comum na Copa, muda de figura se pensarmos que os avós desse garoto tenham vivido em uma Alemanha intolerante, que pregava a preservação da própria raça e que seus pais moraram em uma cidade cercada por um muro, dividindo um mesmo povo.

Com a ausência da Venezuela na Copa, os três rapazes venezuelanos
não tiveram dúvidas na hora de escolher o país que apoiariam.
Foto: Beatriz Andrade

E o portal de Brademburgo, cartão-postal da cidade, que até 1989 tinha sua beleza encoberta por ele, durante a Copa teve à sua frente uma enorme bola de futebol luminosa e foi a porta de entrada para a "Fan Fest", local oficial da festa dos torcedores em Berlim. Com telões e brincadeiras relacionadas ao esporte, era ali que pessoas do mundo inteiro se encontravam. Sem violência ou confusão. Essa tranqüilidade e o não-tratamento do futebol como uma guerra, levavam os brasileiros a caçoarem do desejo do país em sediar uma Copa do Mundo.

Enquanto nós olhávamos Berlim desejando que, algum dia, o Brasil tenha pelo menos um pouco daquela organização onde a vida parece funcionar de uma forma mais justa, eles também gostariam de ter o nosso ímpeto, o nosso atrevimento para se adaptar a uma realidade que difere da nossa.

No futebol não é diferente: se creditamos nossa eliminação, entre outras coisas, à falta do conjunto, do jogo coletivo, outras equipes lamentam a falta de valores individuais que decidam uma partida. O mundo e a bola jamais vão girar de uma maneira que nos agrade 100%. Felizmente...

O triste é que, há tanto tempo na Europa, vivendo como europeus, nossos milionários jogadores tenham se esquecido do jeito brasileiro de encarar os problemas e a vida. E assim, perderam a noção do que o futebol representa para o brasileiro. Daquele que assiste aos jogos, espremido, no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, àquele que exibe, orgulhoso, a vitoriosa camisa amarela nas ruas da Oxford Street, em Londres.

Meu ticket venceu 1 dia antes de eu deixar Berlim. Passei o último dia andando de metrô. E quando tive que pegar um ônibus, aproveitei a aglomeração na frente do motorista e mostrei rapidamente o passe vencido, tampando a data com o dedo. Foi mais forte do que eu. Afinal, sou brasileira. E se o leitor quiser condenar minha atitude, fique à vontade. Olhar e julgar o que o outro faz também é outra forte característica do nosso povo.

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