Bruno
Konder Comparato
Publicado
no Jornal Jovem edição n°2 Março/
2006
www.jornaljovem.com.br
Referendo
e Plebiscito: as armas dos cidadãos
Numa eleição normal votamos
em um candidato, em um plebiscito ou referendo, respondemos
a uma pergunta proposta pelo governo.Embora os termos plebiscito
e referendo sejam freqüentemente empregados como se
fossem sinônimos, trata-se de duas realidades diferentes.
O termo plebiscito teve origem no direito
romano, no qual era empregado para designar uma lei adotada
pelo voto dos plebeus, ou seja, dos homens do povo, obedecendo
a uma solicitação dos magistrados da Roma
antiga.
O termo referendo, por sua vez, surgiu
nas antigas Confederações Germânicas
e Helvéticas, no século XIX, nas quais todas
as leis eram aprovadas ad referendum do povo, ou seja, desde
que obtivessem como resposta o consentimento da população.
Portanto estes termos trazem desde a sua origem, a idéia
de consulta à opinião pública. Por
esta razão é que atualmente se diz que eles
fazem parte dos mecanismos de democracia direta. Com efeito,
por meio deles o povo pode participar, por via consultiva
ou deliberativa, no processo decisório.
A Suíça é a pátria
dos referendos. Desde 1848, ano em que formaram uma federação,
os cidadãos suíços já se manifestaram
em 521 consultas populares, a respeito da ratificação
de tratados internacionais, revisões constitucionais
ou aprovação de leis sobre os mais variados
assuntos, como a energia nuclear, o divórcio, a naturalização
de estrangeiros, a entrada do país na ONU. Trata-se,
contudo, de um caso particular. De uma maneira geral, os
referendos são raros na maioria dos países.
A decisão da Noruega de se separar
da Suécia em 1905, por exemplo, foi aprovada num
referendo em que 99,9% dos noruegueses votaram a favor da
independência, numa expressão forte de orgulho
nacional. A Islândia também se separou da Dinamarca
em seguida a um referendo.
O processo de unificação
da Itália incluiu uma série de plebiscitos
e a República Italiana foi instituída por
referendo em 1946. Pelo mesmo mecanismo, os espanhóis
aprovaram reformas democráticas ao final dos anos
setenta, após a morte do general Franco.
No Brasil o regime de governo já
foi objeto de dois referendos: em 1963, quando o parlamentarismo
adotado com a renúncia de Jânio Quadros à
presidência da república foi revogado, e em
1993, quando o regime presidencialista foi confirmado pela
população.
Os EUA podem se orgulhar de terem patrocinado
um grande número de consultas populares locais.
A história mostra, também,
que plebiscitos ou referendos são utilizados, às
vezes, para testar o apoio dos eleitores ao governante no
poder. É o caso do plebiscito para manter Luis Napoleão
na chefia do estado francês, em 1851. O anschluss,
a anexação da Áustria pela Alemanha
nazista, em 1938, seguiu-se ao anúncio desastrado
de um plebiscito sobre a independência da Áustria.
O estadista francês de Gaulle fez amplo uso das consultas
populares para reafirmar o seu poder.
Um episódio recente ilustra bem
como estes mecanismos podem ser deturpados quando são
utilizados para legitimar governantes no poder: em 2002,
cidadãos iraquianos assinalaram com sangue o seu
desejo de que Saddam Hussein permanecesse mais sete anos
no poder.
Referendo
e Plebiscito - Como
funciona em outros países?
Austrália
- As reformas constitucionais devem ser aprovadas por referendo.
Áustria - Toda reforma constitucional
importante deve ser aprovada por referendo se um terço
dos membros do Conselho Nacional ou do Conselho Federal
(a câmara alta que representa as províncias)
assim o desejarem.
Dinamarca - As reformas constitucionais
devem ser aprovadas pela maioria simples dos votos em um
referendo, com participação de pelo menos
40% do eleitorado.
França
- As reformas constitucionais precisam ser confirmadas seja
por uma maioria de três quintos das duas câmaras
reunidas, seja por referendo.
Irlanda - Um projeto de lei para reformar
a constituição é necessário
somente se ele for exigido por um quinto dos representantes
de uma das duas câmaras, por 500 mil eleitores ou
por cinco conselhos regionais, num prazo de três meses
após a publicação da reforma.
Espanha - Uma reforma constitucional pode
ser submetida a referendo para ser ratificada, se um décimo
dos integrantes de uma das duas câmaras o solicitar
num prazo de 15 dias após a adoção
da reforma.
Suíça - Todas as reformas
constitucionais precisam ser confirmadas pela maioria dos
cidadãos. Além disso, todo projeto de lei
proposto por 50 mil cidadãos torna-se objeto de um
referendo (a menos que o Parlamento adote o projeto e os
autores do referendo retirem a sua iniciativa). As reformas
constitucionais devem ser aprovadas pela maioria dos eleitores
e pela maioria dos cantões.
O
problema da expansão do sufrágio e da universalização
do voto foi resolvido no século vinte. Agora, cresce
cada vez mais o número de pessoas que acredita que
não basta escolher periodicamente os nossos representantes
e governantes para que um governo democrático seja
garantido. Deveríamos, neste sentido, multiplicar
as oportunidades de manifestação da vontade
popular. De acordo com a feliz expressão do pensador
italiano Norberto Bobbio, o problema hoje em dia não
é mais quando se vota, mas quanto
se vota.
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