Maria Helena Villas Boas Concone
Antropóloga, professora do Depto de Antropologia/PUC-SP e da Pós-graduação em Ciências Sociais/PUC-SP
Introdução
Dizem que o uso do cachimbo faz a boca torta, nunca fumei cachimbo, mas não tenho porque duvidar do antigo ditado.
Meu cachimbo é a antropologia, ciência social, nem sempre bem entendida pelos que ouvem a minha auto-definição profissional. Há os que dizem – de modo um tanto duvidoso – “que interessante!”; outros perguntam: “O que é isso? O que faz? O que estuda?”. Aliás, já ouvi uma vez - contado pelo marido indiscreto – que sua mulher teria dito: ela é antropóloga?! Mas isso não é quem come gente?
Não estaria de todo afastada da realidade, uma vez que de fato a antropologia se nutre do humano: Quem somos? Como somos? Além de outras questões que nos preocupam a todos, antropólogos ou não.
Disse um antropólogo norte-americano que “o homem vive preso às teias que ele mesmo construiu”; sendo essas teias a cultura, caberia à antropologia interpretá-las, buscar-lhes o sentido.
Assim, a boca torta vem exatamente de alguns hábitos ou modos de pensar que vamos adquirindo ao longo da vida (no meu caso ao longo de uma vida já bastante longa...).
Uma dessas marcas do pensar antropológico é dada pelo esforço de relativização que, trocado em miúdos, significa um esforço de entender comportamentos, sentimentos, representações de mundo de diferentes grupos (inter ou intra-sociais) a partir de seus próprios referenciais.
Um pequeno exemplo: amor (sentimento que nos pareceria evidente em si) pode ser de fato pensado, manifestado, valorizado, interpretado diferentemente segundo culturas distintas no espaço e no tempo.
Este é um modo de pensar necessário quando nos perguntamos sobre “o outro”, sobre aquele ou aqueles que não pertencem ao nosso grupo. Não devemos confundir esta atitude compreensiva, com a necessidade, ou obrigação, de partilhar da mesma visão “do outro”. Isto é, se num grupo sócio-cultural hipotético, diverso do nosso, filhos gêmeos devem ser “descartados”, vou buscar entender tal comportamento a partir da lógica dessa cultura ou desse grupo (e não da minha), o que não significa que devo aceitar ou permanecer “neutro” diante do fato.
O contraponto da relativização é o espírito crítico aguçado: em relação às outras sociedades e culturas e especialmente em relação à nossa própria sociedade e cultura. Nesse sentido é bastante verdadeira outra definição de um antropólogo de meados do século XX que via a antropologia como um espelho para os Homens, isto é, para a humanidade.
Colocando de outra maneira, talvez menos arriscada, a antropologia diz que nossa sociedade e nossa cultura não são o padrão de medida para todas as outras. Nenhuma é.
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